Posteridade

Filha, um dia irei partir “dessa para melhor”, como se diz por aí.

Não quero que chore, senão de saudade, não gostaria de vê-la ignorando ou confrontando as leis da natureza, o inexorável . Quando choramos em desespero a morte de alguém, creia, estamos projetando nossos próprios medos dela. Então, desespero não!

Olha para trás, presta a homenagem de me ver nos meus “melhores momentos”: a luta, o ideal e o esforço por superar minhas limitações (coisa esta que nem sempre consegui). Mas, olha para trás e sentirá que tivemos a oportunidade de trilhar juntas muitas histórias e fomos em essência e na maior parte de nosso tempo companheiras amorosas.

Olha para trás, em reconhecimento de que tive uma vida boa, de que investi em meu autoconhecimento e galguei em direção a mudanças interiores importantes.

Olha com carinho cada coisa que lhe deixarei: os livros! as musicas! e outras pequenas coisas escritas de valor literário bem contestável, mas de grande sensibilidade e entrega (sic!).

Lembra de meus olhares em você: os de admiração por suas belezas; os de agradecimento por considerá-la um presente enorme da vida.

Se quiser de fato homenagear-me, me dá a dádiva de saber lá do céu (ou do inferno, sei lá!) de que sempre procurará amar-se, perdoar-se porque responsável por suas escolhas.

Não me olhe como derrotada, porque morrer é natural! Não sinta autopiedade por perder-me. Evite este sentimento porque ele é destruidor da dignidade humana e distorce a grandiosidade do único que somos.

Espero sinceramente que tenha construído e consolidado seu mundo de pessoas boas. Não muitas porque qualidade é melhor que quantidade. Estes amigos nesta hora lhe darão o abraço, o afeto, e serão bálsamos para a leveza que o momento pede, posto que do outro lado, fim de jornada, é certamente descanso e paz.

Aceita o ciclo natural da vida e a extinção. Não como uma cientista racional e meticulosamente insensível, mas, como quem sabiamente encontra-se frente a verdade da vida.

Se puder ser caridosa ajude-me lá no fim de tudo a ter coragem e a abraçar delicadamente e em aceitação calma e serena o que vier. Não temamos! Com amor,

Mamãe