[Disfarça e Chora, Carlos!]
Siga o conselho do Mestre Cartola, Carlos:
— Disfarça e chora!
Tempos despertencidos da gente, esses — tempos em que trocamos o prazer da carta na mão pela presteza das mensagens eletrônicas. A curtição da espera foi reduzida a horas, minutos, segundos... a ruminação de possibilidades fica sempre incompleta, atalhada por um bip do computador: chegou mais uma mensagem eletrônica! Será que elas perdem o viço com passar do tempo... ou não? Depende... o problema é que são tantas, tantas... perdem-se em diretórios, arquivos, e é difícil voltar a uma delas, em particular. Mas uma hora, hei de repassar todas... ou não...
E fico sempre a pensar que, se em lugar de mensagens eletrônicas, eu houvera recebido cartas escritas à mão, em papel fino, vez enquanto, eu as estaria relendo nos dias chuvosos, ou nas noites vazias, quando, não sei por que, não tenho coragem de me matar. Afinal, o passado está sempre presente — sem escapes, portanto!
Mas o tempo já vai longe sobre todas as coisas, escritas, vividas, desvividas... vai longe, bem longe, segue trilhos que vão para o fim do mundo, sem retorno... As águas rolaram... são passadas mesmo? Não sei... estas nossas águas, não sei se passam... É tempo de fazer as contas — e para quê? Para nada; o que é que muda? A morte sibila no ar... vem vindo.
Agora, cabe à gente a perplexidade de ter deixado ao abandono, mortos, perdidos no voltear insano dos ponteiros do relógio, o sabor de instantes de ventura, prazer, gozo, enfim! A vida é ação... para o bem, ou para o mal, a vida é ação — e foi por alguma ação que desacontecemos, pois, promessa havia... ação de braços desistidos...
Absurdemos, sim, absurdemos com Fernando Pessoa:
"Se isto não é, por que é que é?
Se isto não pode ser, então porque pôde ser?"
É tarde, e não me perguntes mais nada... as possibilidades são já mortas, como folhas caídas... As sensações das quais nos privamos, as horas de prazer que deixamos de experimentar, foram já perdidas, jogadas na correnteza da vida. Olha só: - o absurdo, outra vez! - a sensação de nunca [mais] ver o que devia ter sido visto, a sensação de nunca [mais] provar o que esteve sempre apenas ao arbítrio da vontade — isto é o que se chama vida?! Não quero respostas, quero mais perguntas.
[Penas do Desterro, 04 de dezembro de 2009]