Cartas de Paris 11

Minha amada,

Finalmente encontro coragem para retomar o fio quase perdido da nossa amizade. Tantas coisas aconteceram... O homem não dispõe de sua vida e eu muito menos da minha. Estou em Paris e lembro-me com saudades de quando te conheci em 2000, num radiante mês de maio e uma revolução aconteceu nas minhas estruturas emocionais.

Fecho os olhos e lembro: Estavas vestida de vermelho e saboreavas morangos com chantilly, num daqueles aconchegantes bistrôs. Como um raio, meu olhar foi em direção ao teu e aconteceu a explosão. De repente, estávamos conversando parecendo velhos amigos.

A vida tem dessas coisas inexplicáveis. Sem nunca nos termos visto, nossas almas caminhavam juntas há décadas. Por isso minha querida, tudo aconteceu tão rápido. A partir daquele momento, a pressa em unir sentimentos e emoções foi tanta que esquecemos de saber quem era quem. Não me arrependo.

Lamento somente ter me acovardado, omitindo meus comprometimentos com terceiros. Era livre de corpo e alma e eu, que amo a liberdade acima de tudo e sempre sonhei com ela, também me fiz livre, daí talvez o grande erro. Tenho sempre na mente a tua presença de espírito na ocasião, quando telefonaste aos teus amigos e mentiste. Que bela mentira! Do “Le Dôme,” passamos no hotel, arrumaste numa bolsa de mão os teus pertences e fomos direto comprar o bilhete de trem.

Senti tua preocupação ao te deixar no Restaurante pedindo que esperasses. Às vezes penso: Como terás passado àquelas intermináveis horas? No meu egoísmo, nunca perguntei. Perdoa-me.

Quando consegui arrumar o meu tempo e acomodar os impossíveis, corri para ti. Tinhas as faces coradas por muitos copos de vinho. Retratavas a felicidade: cabelos soltos ao vento, olhos brilhantes. Estavas linda e sexy. Abraçamo-nos com tanta fúria que o mundo escureceu. Não vimos nada, só despertando com o aviso da partida do trem que nos levaria a Veneza.

Descemos quase correndo a escada do restaurante "Train Bleu" e embarcamos. Foram dias de paixão e loucura o que vivenciamos na cidade dos amores e tragédias. Lembras, na Ponte dos Suspiros, quando um vento safado pôs tuas pernas à mostra? E eu, pior do que ele aproveitei para abraçá-las? Ah! Minha amada amiga, por que a vida insiste em nos separar?

Estou agora, depois do rompimento definitivo com a primeira etapa da vida, tentando ordenar à segunda. Peço-te perdão pelo prolongado silêncio, mas não queria magoar-te com a terrível decisão dos rumos que daria para ela. Por centenas de dias silenciei, queria te ofertar o certo sem dúvidas nem medos.

Se ainda guardas contigo o meu calor e afeto, espero com esta carta retomá-los, se não em presença, mas através de mensagens telepáticas ardentes, tanto pelos fios magnéticos dos telefones, como pelas cartas e a mais moderna e cruel das comunicações: os e-mails, para mim frios e impessoais. Retomemos o amor epistolar, querida amiga, isto irá povoar a nossa vida de sonhos e esperanças. Até breve!

Do amigo distante e eterno.

Outubro de 2004