CARTAS AO LEO
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Campo Grande, Novembro de 2009
Sou frequentador de um botequim nas proximidades de minha casa. Não que eu seja viciado numa cachaça, embora não dispense umas talagadinhas. É que nas rodinhas que formamos, desfilam os mais gostosos causos passados por esse Brasil afora. Bom número desses causos é de pescadores e caçadores, ou seja, mentiras deslavadas; porém contadas com lógica e verossimilhança suficientes para impedir qualquer contestação. No fundo o contador é um gozador e nós os ouvintes as vítimas. No entanto, e lá que tenho ouvido as mais gostosas e antológicas mentiras de botequim. Como a do pescador narrando um fato acontecido com ele, numa pescaria que fez na fazenda de um amigo:
- Achei uma relva, meio escondida, na barranca do rio. Sentei, coloquei o relógio no chão e fiquei ali pescando. Só no dia seguinte, quando voltava para a cidade, que dei falta do relógio. Fiquei muito acabrunhado, pois era um relógio antigo, desses de corda, relíquia de meu avô.
Passado algum tempo, tornei a visitar a fazenda de meu amigo e lembrei-me do relógio. Voltei ao local e surpresa! – ele continuava no mesmo lugar onde o deixara, seu peso chegara a fazer um sulco na relva. Peguei-o e, instintivamente, levei-o ao ouvido. Ainda funcionava! Sem conseguir explicação para aquilo, recoloquei-o onde estava e fiquei cuidando, escondido, pois havia outro sulco que me intrigara. Só à tardinha a coisa toda se esclareceu: deixei o relógio bem no meio da trilha habitual de uma cobra-d’água que, todos os dias, àquela hora, saía de sua toca e se dirigia ao rio; de modo que passava sempre por cima do relógio, e, seu corpo comprido, fazia girar o botãozinho da corda.
Tem a do sujeito que ensinou seu gato caçar perdiz e ainda garantia que não tinha felino melhor:
- Um dia meu bichano morreu. Fiquei bastante pesaroso e, para guardar uma recordação, mandei fazer um cinto com a pele dele. Tempo depois fui caçar com a tal cinta e aconteceu uma coisa extraordinária: cada vez que havia uma perdiz por perto, o pelo da cinta se eriçava todo!
É por isso, Leo, que amo de coração o botequim e esses artistas humildes de nossa cultura popular. Procuram nela senão o prazer; e exercem-na com a simplicidade e inocência de quem pratica os atos mais comuns da vida. São, na suas simples histórias, mais artistas do que muitos outros mais hábeis, mais cultos e mais refinados.
Câmara Cascudo diz que a literatura oral ainda está fortemente ligada ao povo e é intensamente narrada, nas fazendas, nas cidades, em varandas, calçadas, nas rodas [de botequim] (enxerto meu); ela é uma expressão vasta e poderosa.
E eu sou testemunha disso, Leo.
Inté mais!
RSérgio.
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