Professor, nós estávamos errados.
               Agostinho estava certo. O limbo existe. Eu sei. Agora eu sei.
          Lembra a definição? “O lugar para onde vão as almas que estão para sempre privadas da presença de Deus”. Ou outra, tão obscura quanto esta, o desterro de Caim, o “lugar de miséria, de solidão e de afastamento de Deus”. Mas há outra, Sheol, “lugar escuro, de poeira e silêncio”. É a morada dos esquecidos, onde o martírio não é medido em intensidade, mas em distância. Os mortos em vida estão longe de todos.
          Imagino se o próprio Agostinho por aqui não esteve, pois ao se deparar com as conseqüências de seus escritos, seria o lugar certo. Talvez por saber disso, Tomás de Aquino amenizou o limbo, por corporativismo.
Ainda não lhe convenci, eu sei, pois somos antiagostinistas.

                    Mas o limbo existe, sim. É daqui que lhe escrevo.
          Lendo estas palavras, se pergunta se estou morta.

               Estou.
               Em vida morta. Afastada, desterrada, isolada por opção, pois me faltam forças. Mas não estou sozinha, tenho companhia. A tristeza e a apatia. Sabia que já foram pecados capitais? Substituídos por um, a preguiça. Nas palavras venenosas de minha irmã, ócio.
          Não há liberdade, mas há saídas, como em “condicional”. Mas sempre há o retorno. Quem aqui já esteve, carrega uma marca, não como aquelas que os criminosos da França do séc. XVIII carregavam; é uma marca mais profunda, como a marca de Caim. Por certo, carrego a minha. Mas poucos conseguem ver.
          Em meio ao cinza, às vezes detecto alguma cor, um brilho, uma fagulha de amor. Mas se esvai. Não é forte o suficiente para vencer o cinza e me alcançar. Resta apenas eu, como sempre foi.
          Mas não fique em luto por mim, já me basta o meu.








Imagem: blogdape.wordpress


SIMONE SIMON PAZ
Enviado por SIMONE SIMON PAZ em 27/11/2009
Reeditado em 28/03/2012
Código do texto: T1946488
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