Papai Noel

Caríssimo e bom velhinho,

Que foi que eu te fiz? Há anos espero ainda os presentes de minha primeira carta, por isso não te escrevi mais. Mas agora, tomado de uma angústia desenfreada, resolvi lhe escrever, para saber o que passa. Estás, acaso, doente? Ocupado demais em lojas de doces, ou praças de alimentação dos shopping-centers? Ora, qual, Papai Noel, bem sei que não é nada disso.

Vi um duende teu me espionando essa semana e, por pouco, não peguei o danado para lhe dar um safanões. Acaso eu fui um mal rapaz? Não ajudei no que pude o meu próximo? Que mais queres que eu faça, afinal, meu bom velho? Será que meus pedidos para aquele já remoto natal foram tão impossíveis assim de serem cumpridos? Que desapontamento sofri, você nem deve saber, meu bom senhor. Teus duendes não lhe informam dos sentimentos das pessoas, não é? Deverias arrumar um povo mais sábio para lhe ajudar; talvez elfos, hobbits, até mesmo anões, pois estes sim são grandes manufaturadores, e é o que as crianças precisam hoje em dia: piões, carrinhos de rolemã, soldadinhos de chumbo. Mas cá estou eu me desviando do assunto. Porém é de suma importância esse dos piões, então vou me aprofunar neste por uns instantes.

Vendo a atual situação da infância mundial eu até entendo por que desapareceste, afinal. Quem pode competir com a Sony Enternteinament, por exemplo? Que criança normal do século XXI vai preferir um pião a um Playstation 3? (Lê-se 'plei steichion três', já que o senhor deve estar por fora do inglês, eu acho). Ou ainda uma bola de capotão a um XBOX 360? (Lê-se 'équis bóquis 360; o senhor vê como até os nomes dos presentes ficaram mais difíceis? Saudades do velho Atari que se lia como se escrevia). Sim, meu caro velhinho, pensando nisso agora até tenho pena de ti. Me perdoe por ser tão rude no início desta carta. (Mas, quanto aos duendes, meu ponto de vista ainda é o mesmo).

Talvez o senhor, de tão ocupado (ou não) perdeu minha carta já há muito, ou talvez um duende maroto, desses que fumam cachimbo na frente dos homens no maior disparate, jogou-a na fogueira, ou a usou para acender seu cachimbo, não sei. Enfim, gostaria de repetir nesta carta os pedidos que lhe fiz, anos atrás, mas acho que não quero mais as mesmas coisas que eu queria. Infelizmente a memória já não ajuda muito e não fiz uma cópia da carta, naquela época eu não entendia dessas coisas. Se acaso eu lhe fizesse novos pedidos, o senhor atenderia? Afinal, talvez eu seja o remanescente, a brasa que ainda resta viva dos pedidos antiquados do natal. Eu não vou te pedir um pião, tampouco um Playstation 3, nem bola de capotão, ou XBOX 360; não ousaria fazê-lo, pois o senhor deve estar fatigado de tantos pedidos, durante tantos séculos. Não sei se meu pedido vai ser ainda mais complexo que os presentes do século XXI, mas vou fazê-lo, já que escrevi para isto. Ah, antes de pedir, me recordei agora que havia pedido algo que o senhor me deu, afinal. Alguém que me dissesse 'eu te amo'; apreciei muito seu capricho, por atender tão detalhadamente o meu pedido, mas acho que atender os detalhes tão ao pé da letra foi idéia dos duendes, para variar, já que, de tão perfeito o presente, eu enjoei fácil fácil, como enjoei daquele trenzinho que dá voltas numa pista perfeitamente redonda. Mas o senhor cumpriu com o pedido, então devo lhe agradecer, é justo.

Vamos, enfim ao pedido. E que o senhor não se ofenda e nem estranhe, eu espero. O que vou pedir é para o bem de todos e mesmo para o seu bem. Descanse em paz, bom velhinho. Tire férias longas, pela eternidade, que o senhor merece; pois se o senhor partir, quem sabe o verdadeiro Papai não vota a aparecer nos corações das pessoas, mesmo das criancinhas que só querem um Playstation 3? Não quero te desapontar, meu bom velhinho, por ti eu tenho grande estima. Mas eu e você sabemos, voce ainda mais que eu, que o natal não é seu, meu caro. O natal é de alguém que veio a este mundo trazer paz na terra e boa vontade para com os homens. Então vá, Papai Noel, descanse, e avise ao Bom Pai que ele pode tomar seu lugar de honra, a partir deste natal.

Com muito apreço lhe faço este pedido. Com lágrimas nos olhos espero resposta e já sinto a dor da despedida, mas será melhor. Com muito carinho e ternura, da criança remanescente do século XX,

William.

P.S. Avise teus duendes para ficarem longe da minha casa, porque do contrário eu irei vendê-los ao circo. E tenho dito.

P.P.S. Caso o senhor não queira atender meu pedido, ao menos troque esses diabinhos por elfos, ou hobbits, ou mesmo anões. Ficarás tão satisfeito quanto eu, podes crer.

Do mesmo.

William G. Sampaio [26/11/09]

William G Gardel
Enviado por William G Gardel em 26/11/2009
Reeditado em 26/11/2009
Código do texto: T1945098
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