Carta ao Doutor Ado
Ilmo. Senhor
Li o seu artigo publicado esta semana na maior revista de crítica literária deste país.
Admiro-o pelo seu grau de erudição e sabedoria, porém, sou forçado a discordar de sua opinião.
Não acredito e nem tampouco aceito a argumentação de que o poeta, ao escrever uma obra, esteja preocupado com todo esse aparato de conceitos e definições, os quais são piamente empurrados “goela abaixo” nos estudantes das nossas universidades.
Não consigo imaginar alguém com uma caneta (ou lápis) na mão, tentando passar para o papel uma idéia, uma inspiração, uma loucura, seja qual for a forma de expressão, preocupado com a sínquise, a sinédoque, a paragoge, a aliteração, a assonância, a sibilância e a lista segue...
Um texto é para ser lido, vivido, sentido, como disse aquela famosa “Pessoa”: “sinta quem lê!”.
Não me diga que por ser o poeta “um fingidor” que ele precise cercar-se de dicionários ou manuais literários para “construir” algo belo, marmóreo. Não me diga que Drummond, quando falou da “pedra no caminho”, escolheu a hora, o lugar e o tipo de pedra.
Sendo assim, nobilíssimo doutor, a minha humilde e modesta opinião é a seguinte: as palavras que fluem, que escapam, que fogem da cabeça de um poeta devem ser assentadas nuas e cruas no papel; papel este também virgem e sem máculas.
Se não for dessa maneira, ele deixa de ser poeta. Passa a ser um simples artífice, um artesão, que retoca aos pouquinhos a sua obra até chegar ao efeito desejado. Corre o risco de cair a sua criação no lugar comum e, quem sabe, ser tachada de “xumbreguinha” por algum crítico ou docente de alguma renomada universidade.
São Vicente, 12 de Outubro de 2005.