MORTE
Deixo de te querer neste instante para poder assim deixar de sofrer. Deposito minhas ilusões sobre o sofrimento que sinto ao te arrancar das minhas entranhas e deixo de sonhar a partir de agora. Me torno dura como a vida para poder sobreviver e defender o pouco que resta de ternura dentro de mim. Vou viver insensível aos apelos que sempre me enganaram e que me levaram a ser o que sou hoje _ uma criatura árida e acabada. Esperanças já não existem. Não existem mais desejos. E nada mais vou querer porque querendo é que se sofre e o sofrimento acabou comigo. O que existe é tão somente uma figura solitária, feia, negra por dentro e que vai se tornar feia por fora porque estou matando, aos poucos, o pouco de beleza que existia. Eu sou, a partir de agora, um ser amargo que não vai esperar e nem se dar a mais ninguém. Quero ficar sozinha para aniquilar mais depressa o pouco de sensibilidade que, apesar de tudo, existe em mim. Sou uma idiota por ter querido e me dado tanto nesse tempo inútil que vivi. E sou mais idiota por ter sofrido tanto sem aprender que ninguém me quiz. Vou ficar sozinha a partir de agora. Enterro aqui os amores, os sonhos, as esperanças, as lembranças. Acho que vou me tornar uma morta-viva porque morto está quem não tem amores, nem sonhos, nem esperanças e nem lembranças. Acho que assim nem morta-viva sou... Viva em que?
NA: Sem sustos! Este texto foi escrito em 1985!