CARTA DE LEMBRANÇAS

Ontem reli tua última carta...

Dez anos, tinta esmaecida, dobras encardidas e um amor eterno transformado em lembranças...

Eramos tão apaixonados e hoje só restou um resquício de civilidade marcado por telefonemas em datas comemorativas: Feliz aniversário! Feliz Natal! Feliz ano novo! E este ano - não sei porque - colocaste mais uma data em nosso calendário: Feliz Páscoa! Talvez tenhas te convertido ao judaísmo, mas a distancia já não me permite fazer perguntas sobre religião. Somos dois estranhos que tem em comum o passado promissor. Uma grande paixão que ficou no papel...

Lembro de nossa inocência pueril ao celebrarmos os dois meses de namoro... Aquilo era tão importe e, hoje, por mais que eu me esforce não significa absolutamente nada. Porém, sinceramente não tem importância porque sei que também já não mais me amas.

Não há razão alguma para nos envergonharmos, afinal o relativismo é tão humano quanto falar, escrever e pensar. O problema é que apesar de adultos continuamos a crer nos contos de fadas onde todos foram felizes para sempre, e quando o fim de um relacionamento não acontece como nos filmes americanos somos tocados por uma estranha frustração, isto talvez porque em relação ao amor, somos eternamente adolescentes.

Hoje, ao cruzar a Baía da Guanabara, a bordo de uma traineira, vi ao longe dois grandes navios que seguiam em direções opostas, mas que em determinado momento se cruzaram... Lembrei de nós dois. Nunca mais voltaremos a nos ver como nos víamos há dez anos atrás, cada um seguiu o destino por mares diferentes que acabaram por nos transformar e, é justamente por este motivo que devemos respeito um ao outro. Parte do que fui está guardado em ti e de certa forma a tua juventude está imortalizada nas minhas retinas.

O passado é sagrado por guardar uma parte do que deixamos de ser. Quem sabe o amor não seja realmente isto: uma saudade do que não se quis ter, uma lembrança do que não existiu.

Não me iludo pensando no que seria nossas vidas se tivéssemos continuado juntos, afinal o tempo e a convivência são os antagonistas da felicidade na maioria dos romances e nós eramos comuns demais para mudarmos esta regra, tão antiga quanto o mundo.

Na verdade não escrevi esta carta porque estava com saudades de ti, mas porque tua antiga carta me fez lembrar de um eu de quem sinto uma falta imensa.