Carta de um Homossexual

Há alguns anos atrás seria inimaginável para mim estar usando um espaço público como esse para falar de algo tão íntimo como a minha sexualidade.

Entendo que tal disposição para manifestar abertamente parte de minha vida pessoal é fruto de um longo processo de conflitos, questionamentos, rupturas, amadurecimento e aceitação. E, conforme acredito, tal fato poderá possibilitar que familiares e muitas outras pessoas me conheçam um pouco melhor.

Durante a maior parte de minha vida sempre me mantive enclausurado, pois não sentia coragem suficiente para manifestar aquilo que sentia e pensava, especialmente sobre esse assunto.

Considero minha família bem similar a qualquer uma outra família de classe média. Vivo numa cidade do interior do Brasil, onde durante toda minha juventude mantive uma rotina pacata pautada nas tradições cristãs. Assim, vivendo com meus irmãos cresci sob os cuidados e carinho de meus pais, tios e avós.

Pelo que me recordo, ao longo de minha meninice sempre tive boas referências de inúmeros casais heterossexuais com os quais convivi. Dessa forma, era comum assumir o papel masculino em casa, em brincadeiras na rua ou em ambiente escolar.

Sei que o desenvolvimento e estruturação da personalidade de uma pessoa é marcado por diversos fatores, que dependendo das circunstancias podem afetar de modo diverso a orientação sexual de cada um.

E, como ocorre na maioria das familías religiosas, minha educação intra-familiar contribuiu fortemente para que eu assumisse uma postura tradicional. E, da mesma forma, posso dizer que minhas relações interpessoais (com vizinhos, amigos da escola, colegas da rua etc.) corroboravam a definição de minha orientação sexual no sentido de manter uma postura heterossexual.

Mas, estranhamente, durante minha adolescência comecei a sentir e pensar de modo diferente de tudo aquilo que minha família e amigos podiam imaginar. A medida que meu corpo se formava, comecei a ter idéias e desejos que íam contra tudo aquilo que existia à minha volta.

Dessa forma, passei por um longo período de conflitos e lutas internas. Nisso, batalhei arduamente para reprimir qualquer desejo e comportamento que viesse desapontar minha família e meus amigos. Nessa época, não sentia liberdade para conversar e para manifestar aquilo que se passava comigo.

Atualmente sei que a reduzida presença de indivíduos abertamente homossexuais no meu circulo de convívio dificultou a aceitação daquilo que se passava comigo. Ademais, via que na mídia e em outros campos de ficção (como a televisão) a visão popular da homossexualidade resume-se a algo negativo e sub-humano. Tudo isso contribuía para que eu ficasse “no armário”, reprimindo minhas idéias e atitudes.

Nessa fase, eu reprimia e condenava aquilo que vinha à minha mente e tudo que se passava no meu coração, por que considerava tais coisas verdadeiros pecados condenados pelas Leis de Deus. Em algumas situações cheguei a pensar que sofria algum tipo de doença psicológica ou distúrbio psiquiátrico. Entretando, felizmente, com o passar dos anos fui formando uma consciência do que envolve ser homossexual e viver como tal.

Eu sei que os animais na natureza manifestam suas práticas sexuais baseadas no instinto e nós, seres humanos, manifestamos nossa sexualidade através de padrões culturais historicamente determinados.

Pesquisando sobre o assunto, fui entendendo que a sexualidade humana, através da história, manifestou-se de distintas maneiras. Em algumas culturas ocorreram períodos de abertura sexual, quase sempre intercalados por períodos de recato e privações sexuais. Assim também ocorreu na cultura ocidental, a qual fazemos parte.

Estudando mais, fiquei sabendo que especialmente nos últimos 40 anos tem havido uma maior valorização da diversidade sexual humana, com criação de espaços para pessoas que tem diversificadas práticas comportamentais e afetivas.

A medida que fui conhecendo e partilhando momentos com outras pessoas, especialmente pelas comunidades da internet (Orkut, Flickr, Myspace etc.), fui entendendo e desenvolvendo admiração pelos meus desejos e sensações.

Como muitas outras pessoas homossexuais, eu escondi por longo tempo meus sentimentos e atividades por medo de reprovação ou de violência por parte da sociedade.

Hoje, sou uma pessoa madura e não quero mais reprimir minha sexualidade. Gosto daquilo que sou e quero viver de forma digna e feliz. Para isso, não espero nada demais de quem quer que seja; desejo apenas que os outros reconheçam e respeitem meus direitos como ser humano !!!

Belém - PA, 18 de novembro de 2009.

Diogo Santos

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Ilha de Marajó - PA, Novembro de 2009.

Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.

E-mail: salerajunior@yahoo.com.br

Giovanni Salera Júnior
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 18/11/2009
Reeditado em 18/11/2009
Código do texto: T1929832