E então, eu não disse...
... que ia te surpreender mais uma vez? Presentes, porém, nada falam, eles apenas existem para serem consumidos pelo desgaste do tempo. Sei que atitudes valem mais que palavras, mas atitudes sem palavras são como poemas métricos sem sentimentos, a primeira vista parecem maravilhosos, todavia, os seus conteúdos nada dizem, e por isso insisto em te dizer as coisas que me surpreendem e também me afligem. Para mim, a paixão não é algo tão irracional como afirmam as demais pessoas, tão pouco o amor. Dos pequenos momentos se constrói os sentimentos, dos pequenos sentimentos se constrói a paixão, e do entender da paixão se constrói o amor...
Sinceramente, acho que existiram poucos momentos de cumplicidade entre nós. Mas apesar de raros eles foram significativos. De acariciar os teus cabelos ruivos assistindo Garfield (lembra?), passando pelas longas conversas que iam de realizações de grandes sonhos às grandes besteiras, e chegando até aos consolos de lágrimas, tanto as minhas quanto as suas, na sua casa ou na minha, não importa! Eu estava contigo e tu estavas comigo e era o suficiente pra surgir laços de sentimentos. E estes laços são o encanto, a paixão. Nela se embriagam os corações, a visão fica opaca diante da imensidão do mundo e buscamos aquilo que nos complete momentaneamente. Para o ébrio uma boa noite de sono, em uma confortável cama, supriria a sua incompletude, mas para o apaixonado, uma cama confortável só supre sua incompletude se diante da longa madrugada puder fitar os olhos de quem lhe embriaga. Daí surge a ansiedade, a inquietude e o questionamento. O que eu faria? O que eu faço? O que eu fiz?!! Pergunta-se o coração embriagado, desejando cada vez mais o seu estado de alucinação. E desta tentativa de entender a paixão, respondemos tais perguntas. Se as respostas curarem por um breve estante a mãe de todas as emoções, a angústia, no momento em que os corpos se tornarem um só, é sinal de que mais momentos como estes deverão existir, mais a paixão irá se expandir e, assim, o amor por se só poderá se construir.
Mas diante dos poucos momentos que tivemos, temeste aos sentimentos meus e teus. Devido a isto, infelizmente, suponho que as respostas encontradas por ti, baseadas em nós dois, não foram grandiosas o bastante. Assim, nunca poderia ser possível uma paixão se expandir a ponto de algo mais vir a ser construído. E como diria Shakespeare “amor não é amor / Se quando encontra obstáculos se altera, / Ou se vacila ao mínimo temor”. Mas mesmo assim, eu não consegui resistir e transformei aquela nossa madrugada em um pobre soneto...
Soneto de Um Peregrino Crédulo
Como uma criança, acariciei os cabelos teus,
Buscando lentamente o arrepio de tua nuca,
Enquanto tu apenas fugiste de forma astuta
Evitando os desejos que estão nos olhos meus.
Mas como quem duvida do real e vai à luta
Duvidei de tua fé como os incrédulos ateus:
Sempre insatisfeitos com verdades de jubileus,
Provando-te que sem luta, inexiste vitória injusta.
Porque duelar contra a essência dos nossos eus
Se a emoção não deve existir em atitudes pensadas,
Mas, sim, em sentimentos dos meus olhos nos teus!
E fitando o teu olhar de “cigana dissimulada”,
Abraçando-te contra a parede, beijei os lábios seus,
Dando fim à disputa de palavras desleixadas...