PORTA-RETRATO
 

Meu amor, algo de você:
 

     Vejo ao lado de um vaso de porcelana francesa, uma relíquia dos meus antepassados, o seu PORTARRETRATO. Não poderia deixar de lado, essa peça rara, que sempre admirou pelos traçados sutis, lindos, pintura muito artesanal. Nele não deixo faltar as suas flores preferidas, rosas...rosas. Ele, o PORTARRETRATO, aquele mesmo que compramos, em nossa viagem, numa conceituada loja oriental. Sua moldura também louçada, com detalhes de flores em alto relevo, elas belos botões minúsculos de rosas brancas e amarelas.
 
     Fico horas afinco, nessa cadeira de balanço, mirando, admirando, retrocedendo nossos dias do passado em que juntos, trilhávamos por caminhos, margeados de flores, enquanto hoje somente encontro espinhos, farpas que afincam minha alma machucada.
 
     Antes, no PORTARRETRATO, repousava uma foto “minha e sua”, aquela que marcou, um dos primeiros encontros, desfrutados pela afinidade, já num início brotada ardentemente dentro de mim. Naquela praça de canteiros com rosas brancas, rodeadas  por folhagens rasteiras entre um gramado de finas gramas verdinhas; pedimos para um jovem rapaz, transeunte ao acaso, que atravessava o mesmo logradouro público, que nos fotografasse. Lembra disso??? Ali todas as tardinhas usufruíamos os nossos momentos, trocas sensíveis de palavras de amor, entendimento, acerto, carinho, doação... Não víamos o crepúsculo chegar, mesmo com os sinos da matriz, bem próxima de nós, quando batia às dezoito horas, anunciando a hora da Ave Maria. Chegava à noitinha, íamos embora, cada um direcionando o seu destino, rumo ao lar. Avançava a noite, você não saia do meu pensamento, e incansáveis bilhetinhos informais, expressando palavras doces, sinceras, eu escrevia para ti, como a um diário de um ardente amor. Lágrimas desprendiam de emoção. Como é bom amar e se dedicar a quem se ama! Dormia almejando que o meu sonho tivesse todas as madrugadas, você como a principal personagem. Amanhecia e no caminho do trabalho, depositava o meu bilhetinho/diário na caixa de correspondência da sua casa. Muitas vezes eu ficava radiante de alegria quando recebia muitos dos seus também! Hoje percebo não eram puros, sinceros como os meus!
 
         Então, meu amor, agora não estamos mais juntos no mesmo PORTARRETRATO, a fotografia escolhida por você... e quanto selecionamos uma e outra que viesse marcar ambos, sorridentes, abraçados, rostos colados, demonstrando muito afago. Troquei, sem sua permissão, por uma em que estás sozinha. Aquela que eu mesmo tirei, à beira daquele lago encantado, você sentada no gramado, com rosto em perfil. Linda, tanto quanto seu semblante angelical. A blusa azul cobalto, a mesma que dei a você no terceiro aniversário em que juntos estávamos. Recordas daquele bolo? Todo branco, não faltaram dois botões de rosa, simbolizando “eu e você”. Muito romantismo imperava, insistia, adubava ao doce mel de um sentimento, que eu imaginava entres nós dois. Porém, não foi assim! Bem sabes o que fizeste a mim. Nem quero voltar ao ontem, naquela noite que pronunciaste: -“Não posso corresponder a ti o tanto quanto você ardentemente me quer”.Lembra? Chorei muito! Um dilúvio entre ardentes raios de fogo, me fez queimar todos os meus sonhos, esperanças, desejos... riscou planos e encantos, semeados por mim. Perdia você! Por mais que eu insistisse, não atingiu sua lógica audição, ainda pode completar: - “Disse tudo o que sinto, a felicidade tem que ser a dois e não tão somente a um”... depois as suas palavras emudeceram, nada mais além disso comentou!
 
          Arrasado naquela noite, sai da mesma praça de sempre, fui embora, tentando compreender tudo desse todo que perdia. À noite num negrume muito maior, pois para contribuir, era sem luar. Meu desejo era caminhar sem destino, já imaginando como seriam os meus dias futuros sem você. Calmamente, abracei esse mesmo PORTARRETRATO, beijei a nossa foto, retirei-a coloquei no mesmo bloco de papel em que todas as noites, eu escrevia para ti; hoje ela dorme no silêncio do amarelo velho das páginas:- “-Não tenho mais ninguém para escrever!” Substitui-a por essa vivamente presente, ela aquela do lago encantado.
 
        Tentei por muitas vezes colocar essas linhas sob sua porta, acovardo-me, conscientizando que estás “nos braços de outrem” que pensei lá no ontem poder ser minha.
 
        Hoje simplesmente, tristemente, melancolicamente, solitariamente. metodicamente... num pacto, aqui todas as noites, sentado diante da mesa e do vaso florido junto do seu PORTARRETRATO!
 
        Silencio-me... no meu céu escuro sem estrelas!
 

                              
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CARTA-AMOR-
Fonte: PASSARELA DE CONTOS
Conto Descritivo
Autor do texto e da ilustração-Foto-(SOLITÁRIO):
Prof. Roangas-Rodolfo Antonio de Gaspari-
roangas
Enviado por roangas em 12/11/2009
Reeditado em 25/11/2020
Código do texto: T1919319
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