CARTA DO AMIGO KAMINSKI

Porto Alegre, 29 de março de 1965.

Caro amigo Roberto:-

Dez horas, dia 25/3/65, sentado ante a mesa de meu trabalho na Franki, olho através do vidro da janela e reparo que o tempo está querendo melhorar, apresentando uma rajada de sol (há dias que chovia); eis que, repentinamente, me volto ao lado de meu birô, vejo o garoto me estendendo uma carta. É ela, a esperada carta do amigo!

Apresso-me em tirá-la do envelope, a fim de concentrar em sua leitura, o que faço com grande interesse e inusitada satisfação.

Uma vez a par de suas linhas, tomado um pequeno fôlego, retomo a caneta e passo a respondê-la:-

Caro Roberto, boa, muito boa. À parte, teu trabalho “Situação econômica do Brasil atual” foi muito bem expressado; clarividência total de reflexo atualizado sobre a atualização de nossos dias presentes.

Também o trabalho “Revolução”, do acadêmico de Direito Anhanguera, amigo teu, me despertou a atenção. “E o menino chorava”, assim começa, e termina com “E o menino chora”, Sim, ainda chora, até quando? Há quanto tempo já chora e por quanto tempo ainda terá de chorar?

E caiu uma ducha de água fria no teu entusiasmo e ilusão pelo sul. Devagar, Roberto!

Bem, de fato só focalizei os “contra”. Minhas observações e dados tinham como objetivo despertar o amigo para a inépcia de nossos governadores e homens públicos. Como você sabe, o Rio Grande do Sul é um dos estados da federação que tem capacidade própria de sobrevivência, a ele juntam-se:- São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio, Paraná e Santa Catarina.

São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, se necessário fosse, não precisariam de ninguém. Pernambuco, quanto à plantação, tenho minhas duvidas. Paraná e Santa Catarina, ainda estão poucos industrializados. Rio, em matéria de gêneros alimentícios, não sei!

O Rio Grande do Sul, creia Roberto, é de uma riqueza invejável. Posso parecer suspeito, porem, querendo, podes concluir tuas informações com gente insuspeita a respeito da capacidade, situação geográfica e condições climatéricas deste estado. Por sorte, e a bem do Brasil, não é o único nessas condições, sem favor algum, também Minas Gerais e São Paulo têm a vanguarda, sendo o último aquinhoado com o maior parque industrial da nação. Certo? Quanto ao custo de vida, com elevação astronômica de seus índices, penso que continuaremos a “apertar o cinto”. Nos últimos anos temos ouvido já por milhares de vezes:- Brasileiros, é necessário “apertar o cinto”. Mas quem aperta o cinto, já viu, né? O apertume sempre recai sobre os mesmos. Até quando?

Estourar o barril de pólvora? Deixe que estoure. Os dados de preços que você discriminou não me confortam, me entristecem profundamente. É, simplesmente, uma barbaridade. A inflação está nos corroendo, pior que ferrugem.

Como fostes no concurso do Banespa, realizado dia 14 último? Torço para que tenhas tido sucesso. Estou na expectativa.

E o Sergio (ex-Franki) desta vez vai para os cocos (ou cocôs), já que vai se casar. Deus pregou:- casai-vos e multiplicai-vos, de modo que o negócio é mandar brasa. O caminho de todo homem normal é esse, como também o é de toda mulher sonhadora. Basta que se unam com intenções sérias, assim o pão nosso de cada dia não há de faltar. Por certo fará ginásticas e acrobacias como nós já viemos fazendo, você há algum tempo, eu já há muito tempo. Afinal, o homem deve deixar nesta vida algum rastro, algumas lembranças de sua passagem por estas plagas do hemisférico terrestre e, para tanto, nada melhor do que construir.

Referentemente a comparação do civil e militar, você, através de sua carta que originou a resposta em foco, me encorajou para novas e futuras apreciações.

Seca:- lamentavelmente o RGS enfrentou durante os meses de janeiro e fevereiro pretéritos, como também parte do mês fluente, terrível seca. Para tristeza nossa, não houve chuvas; até parecia o nordeste. Alguma parte de nosso gado pereceu. Na fronteira com Uruguai e Argentina (Livramento, Alegrete, Bagé, Uruguaiana, etc.), o gado, considerando a total estiagem, sugava o liquido das árvores, indo com a língua até a altura do alcance possível, para debaixo das cascas encontrar eventualmente o líquido desejado. Um acontecimento triste e comovedor. Dizem que no inverno deste ano, como conseqüência da seca, os gaúchos enfrentarão terrível racionamento de carne de gado. Os tubarões já falam na majoração de 30% em quilo.

Também nossa zona agrícola e arrozeira sofreu com o castigo proveniente da seca. Calcula-se que, por ocasião da colheita, creditar-se-á uns trinta por cento na conta de “Perdas”, que em última análise significa “prejuízo”.

De qualquer forma, considerando-se a excepcional safra prevista para os próximos meses, a perda, comparando-se ao valor global, é de se lamentar, porém não de desanimar.

Minha gurizada está dando um duro danado no cumprimento do dever escolar. A propósito, não me canso de aconselhá-los diariamente no sentido de que estudem. Prevejo que o futuro, para a geração da mocidade atual, será de tremenda dificuldade e dureza; aquele que não obteve estudos passará muito trabalho, viverá eternamente em apuros, mesmo porque não há como ignorar os passos largos que estão levando o Brasil a projeção do progresso modernizado. Os dias atuais exigem do vivente uma inteligência cada vez mais aprimorada, os métodos e sistemas antigos vão sendo superados pela técnica moderna, por lançamentos de visão do homem e por equipamentos de comprovada eficiência. Sobreviverão engenhos de passível realização da parte do homem estudioso e de cultura elevada. Daí a preocupação pela minha petizada. Até agora, inquestionavelmente, eles têm acatado meus conselhos e experiência. Vamos ver se continuam a trilhar o mesmo critério que até aqui souberam guindar.

Esporte:- nosso Grêmio tem tomado parte em pelejas amistosas, saindo-se airosamente, invariavelmente. De preferência, tem se apresentado no interior do estado, onde está acumulando bom dinheiro. Pelo pano de amostra, este ano outro título conquistará, qual seja o de Tetra-Campeão Gaúcho, a não ser que haja grande reviravolta. O Internacional andava mal, agora despertou; melhorou muito.

O Rio x São Paulo me deixa atualizado ao futebol desses dois grandes centros desportivos. Assim, noto que o São Paulo ora perde bisonhamente, ora ganha com gabarito. Anda muito irregular o meu São Paulo. O Corinthians? Pouco me importa que entre pelo cano, também não o topo. No Rio, o Fluminense, no atual torneio, é intermediário. Está numa posição de “não sobe, nem desce”. Acho que está a precisar de um laxante.

E o sacaneta do Cássio, como vai? Deve estar a pensar, “que venga el mano” (não confundir com touro). Bem, deve ter um pouco de paciência, não demora muito e ... tschim pumba ... eis o (a) companheiro (a) para futuras brincadeiras. Periga mesmo ser outro “bacuri”. Também penso como o Cassio, “que venga el mano” (para ele, o Cássio).

Aqueles que se abrigam sob o teto da Alameda Santo Amaro, 128, na Vila IAPI, em Porto Alegre, têm a satisfação de, por meio desta, enviar seus abraços de amizade e estima a você Roberto, à Dona Maria Mari e ao Cássio.

Particularmente, transmita, por obséquio, minha mensagem de estima à Dona Maria Mari, um abraço de carinho fraternal ao Cássio e a você, Roberto, meu chapa, capitão de ar, mar e terra, o abração pela paleta afora do índio grosso aqui do sul da terra dos pampas, dele, o

Theodoro Oswaldo Kaminski

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RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 06/11/2009
Código do texto: T1907557
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