Carta a Ares...

Eu ando pensando em tí com extrema força que meu coração tanto se altera, vibrando entre gritos de dor e pesares.

Entenderia teus motivos, como nunca hei de aceitá-los e, em parte, as tuas verdades me assombram mais que meus gestos ditos feministas, desarraigados de preceitos morais.

Mas que são preceitos morais diante do amor, das paixões que são lançadas e largadas às nossas vidas tão cotidianamente banais?

Te disse tudo em tão poucas e fecundas palavras. Tu, porém, não respondeu-me em gestos, em versos, em nada. Pensas que beijos amenizam e cicatrizam extensas feridas na alma. Pensas, ainda, que podes olhar-me vez ou outra e considerar-se amado ou, irremediavelmente, desejado? Teus beijos foram tão densos quanto minhas vontades negras, ferozes, mortais. E meu desejo nada mais se torna que um vulto, num passado recente.

Só meu amor é tão eternamente grato, averso de teus olhos tão cheios de ingratidão e medo.

Apenas, meu amor, digo-te que desejos são findados e apagados se acaso não ardentemente alimentados e amores, finados, sepultados.

Falo disto mas não creio.

Falo num ímpeto, num desespero, na espera de que todos meus anseios desapareçam numa manhã qualquer. E com eles, talvez, partas tu, para sempre.

Mas amanhece e te desejo mais.

É que ultimamente, ando sonhando contigo d'uma forma tão imaterial, mas precisamente emergente. Ando às trevas e em suas portas bato insistentemente. Nestes sonhos e n'outros, és tu quem me salvas e se não apareces, clamo teu nome até que a última lágrima se debruce em meu peito e, tristemente, eu acorde para a realidade do teu desamor.

Talvez porque em mim tu sejas tudo isso: guerreiro, guardião, anjo...

Esqueço-me que tu és, tão claro e definitivamente, nada.

Esqueço-me de procurar algum verso de tuas mãos e nunca encontrá-los. Verdadeiramente pelo motivo de não haver linhas inscritas em meu nome. Não de tuas mãos.

Mas lembro-me e lembrarei enquanto, insistentemente, o destino nos mantiver unidos e, ao mesmo tempo, tão distantes. Neste mesmo cômodo onde guardo minhas chaves, meus segredos e meu silêncio.

Aliás, destemido é meu silêncio; não a voz.

Porque o silêncio se faz nos instantes em que eu deveria clamar, sem espantos. Mas teu nome corta minha garganta como um cristal afiado. Teu nome se esvai com algo que resta de mim.

Algumas coisas restam, entre cacos, lembranças e receios.

Restam um amor impertinente, uma paixão descabida e gritos por escrito. Restam versos e eu, silenciosamente adornados de lágrimas.

Nem o gosto do teu beijo. Nem teu olhar cortando a sala em minha direção. Nem minhas sutis afrontas à moral e aos bons costumes.

Não restam mais.

Só há o que dizer, mesmo que não deva ser dito.

E ainda há que chorar, então chorarei vez ou outra até que não haja mais linhas, lágrimas e versos, intrínsecos e desgostosos.

Ainda ouvirei algumas músicas e pensarei em tí.

Sentirei saudades daquele que passou em minha vida como um sopro do tempo, mas que deixou expostas as tantas chagas do desamor.

Sentirei tua falta nas tardes de inverno e continuarei encontrando teu olhar em todos os outros. Vezes, em meu próprio espelho.

Ainda, nestas últimas linhas, por fim digo-te: mil outras encontrarás. Nenhuma que possa ver em ti tantas razões e que por ti sejas tão inteira, intensa e verdadeira como fui.

Nenhuma que poderá te amar mais que eu pude.

E nenhuma que permaneça, por inefável amor, neste desespero iminente. Que lúcida possa fugir de tudo isso que escrevo.

Nenhuma...

Anna Beatriz Figueiredo
Enviado por Anna Beatriz Figueiredo em 05/11/2009
Reeditado em 06/11/2009
Código do texto: T1905683
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