E se eu pudesse...
E se eu pudesse, abriria o oceano com um gesto brusco das minhas mãos. Regurgitaria uma estrada de pedras, daquelas que carregamos no peito, e por sobre elas atravessaria estreitos ao ritmo dos ventos. Seria guiado pelas estrelas que vejo em seus olhos até o outro lado. Até o seu lado. Então, lado a lado, tomaria as suas mãos de veludo e beijaria com os lábios salgados, me desfazendo em lágrimas – me perfazendo em algo sublime.
E se eu pudesse, moldaria o vazio das suas palavras como um artesão. Preencheria esse vão silencioso de sorrisos e cores. Incitaria a risada mais alta, o gozo mais profundo. Escutaria atentamente seus sonhos, absorvendo-os, e com um lance de mágica, uma carta de baralho, uma moeda, e tornaria-os reais em sacrifício dos meus.
E se eu pudesse, seria leve como um poema de amor. Faria da nossa vida uma canção. Nossos problemas seriam um soneto de Petrarca, nossas preocupações vãs uma rima bonita. Todas as dúvidas seriam figurativas. As perguntas seriam retóricas, a respostas seriam beijos suaves com gosto de café e cheiro de cabelo lavado.
E se eu pudesse, enxergaria todos os seus defeitos, sua singularidade. Seria calmo e tranquilo, permitiria que o tempo passasse, que o beijo durasse, que o dia raiasse, que lua surgisse, que o pássaro cantasse, e quando tudo acabasse, de mãos dadas, sorriria um sorriso ébrio como a noite escura, despertaria ao seu lado e deixaria que meu carinho embalasse seu sono.