Cartas de Paris II
Querido amigo,
Retorno a Paris depois de quatro anos e a velha senhora continua a mesma: efervescente como o champanhe e dourada pelo outono. Deixo o hotel, o aconchegante “Ville des Artistes”, e vou caminhar pelo Blv. De Montparnasse na esperança de reencontrar-te, senão em presença física, pelo menos em espírito.
Sigo indiferente ao vento frio que começa a chegar, desnudando árvores e almas. Vou ao “La Rotonde” e ocupo aquela mesa do fim do terraço. Lembras-te? Pouca gente. Ainda é cedo: 11 horas. Tantas e tantas vezes entrei neste café que o Mâitre, talvez me conheça, pois me recebe com um cordial cumprimento e pergunta se estou só Faço sinal afirmativo e ele me acompanha, sabendo do meu lugar preferido.
Novamente eu e os meus fantasmas em Paris. A taça borbulhante à minha frente e o brinde solitário me conduz ao ontem e as várias mulheres que fui. A primeira há quase três décadas, iniciava-se no culto à cidade. Igualmente como hoje, estava só e deslumbrada. Jovem e bronzeada, os olhos sonhadores chamavam a atenção dos taciturnos clientes, mergulhados nas páginas dos jornais.
Algo me contenta, caro amigo. Ainda sou notada. Isto amacia o meu ego. Apesar da evolução da moda, para mim, o elegante ainda é o sóbrio e clássico modelo Chanel. A diferença entre a mulher de ontem e a de hoje existe, é impossível conter o tempo. Aqui sentada, observando os passantes, revivo toda uma história com esta cidade. Por que o meu fascínio? Que ímã é esse que me atrai, fazendo-me voltar aos lugares comuns? Será que o meu coração só bate e vibra quando estou em Paris? Pensamentos tumultuam minha cabeça.
Ouço o toque do meio-dia e saio à procura de novas emoções. Livre e descompromissada com a vida e o mundo, caminho pelas margens da Sena. Vou continuar esta carta no “Le Ciel”, de onde posso apreciar a vista panorâmica da cidade. O sol brinca de esconde-esconde com as nuvens, como se fosse abraçá-las. Estou embriagada de Paris.
E você querido amigo, onde e como estás? Lembras-te dos nossos projetos, quando falávamos do entardecer da vida? Éramos tão libertos do tempo, que esquecemos o quanto ele é veloz. As almas irmãs, mesmo na impossibilidade física, continuam unidas, por isso, escrevo para reavivar as lembranças. Bem sabes da minha paixão por esta cidade e um dia, quando só restar a saudade, podes ter a certeza de que junto com ela, estarás.
Vou ficar duas semanas, sendo uma no interior. Ainda não decidi qual vai ser o rumo: Se vou à Normandia, ou se revisito os campos de girassois tão amados por Van Gogh. Continuarei esta carta, refazendo o roteiro sentimental, amanhã em Giverny. Um grande e saudoso abraço da amiga-irmã. Ina Melo/nov/04.