Ansiedade
Hoje senti um desejo estranho, esse brotava de um sabor ambivalente; o amargo e o doce se fundiam em meu espírito.
Com o passar das horas a noite já parecia breve, descobri do que se tratava tal desejo fulgurante. Era uma sede voraz, avassaladora, que corrompia todas as minhas células humanas. Queria ir a fundo, ir até onde saciaria os anseios de meu ser e nesse instante uma vaguidão e torrenciais pensamentos, lembranças e tentativas de esquecimentos bailavam; mais parecia um festivo funeral, onde falsos amigos velavam o ser já sem vida. Já não suportava a sensação insaciável, faltava-me a coragem de (...), (não sei de quê), que me traria a abonança, a calmaria, o fim de todo o tormento conhecido; deste mundo vil de matéria, de seres incoerentes que vislumbram o impossível, que cegam-se com a luz fulgurante e efêmera, a qual chamam de vida. Horrizada descobrir assim ser.
Alienado e corrosivo aquele que pensa deter a idéia. Esse me faz rir e chorar como os Clowns de Shakespeare. Somos como o vento a beira-mar; criaturas apreciáveis no verão, insuportáveis no inverno congelante, e por vezes, ausentes em outras estações. Confesso que o vento é uma das minhas maiores admirações, realmente magnífico; jamais conseguimos atingi-lo, tocá-lo e mesmo assim, ele nos acaricia e beija a face; jamais o vemos na temperança, mas conseguimos defini-lo em suas tormentas. Humanos, assim somos, livres e austeros como o vento, impossível se sermos presos em garrafinhas armadilhas. Somos escolha do que acreditamos ser bom e belo, somos o valor que atribuímos. E nesse olhar sutil, ninguém pode julgar, nem questionar outrem por atitudes e devaneios impensados; ou mesmo que premeditados a longo prazo.
No exato instante me sinto como uma brisa dissolvente, que aspira com todas as forças de suas entranhas a coragem necessária aos heróis pícaros. A ousadia de Helena, a coragem de Joana D’arc, a perseverança de Dalila e, sobretudo a decisão de Julieta, dissoluta na sabedoria do poeta, que diz e contradiz o que não somos.
Meu inconsciente sente sede. Tal sede voraz, mais parece a doce cicuta dada ao filósofo ou a sede do ardente vinho oferecido... que sacia as dores do corpo frágil e débil, desvelando a verdadeira face da humanidade; deixando por terra a tenaz máscara. E agora; os meus sentidos se misturam no que não compreendo, aglutinam-se em questões e dúvidas que no presente me sustentam. Aos poucos, essas sedes, este desejo, tornam-se cada vez mais constantes na ampulheta dos nossos dias... nossa contagem regressiva. Até que, passo-a-passo, tudo se transforma em um enorme caldeirão de inquietações... misturam-se os ingredientes essenciais para se alcançar a verdadeira porção mágica; que domina e norteia a vida humana.
Encontramo-nos com uma grande e enfileirada pilha de potes: essências sagradas e pagãs são quase indistinguíveis. Nesse instante, cabe então ponderar a quantidade de cada um; mensurar, selecionar o que é primordial e só assim chegar ao que parece quase impossível, uma porção que permite-nos dizer o que jamais pensamos, sentir o que não se pode tocar; o que o nosso ser humano e desumano renega, repudia; mas que nem sempre é capaz de ser racional o bastante para controlar. Angústia e raiva querer algemá-lo. Subjugá-lo ao cárcere eterno.
Mas nosso inconscientes deixa abrir as gavetas da sabedoria, e nos da a chance de escolha, uma frase surge da escuridão: Meros mortais, deixai nascer Atena. Deixar fazer funcionar tal porção em nossas vidas, talvez seja a válvula de escape. Resta somente dizer; ao humano, por sua humanidade, deixai quebrar os velhos dogmas, fazei ruir antigas muralhas, esquecei a alienação e a injuria e permitis florescer na humanidade o que está quase sendo extinto... A difícil porção do ¬perdão . Vale a pena!
Sílvia Gabriella Leite.
06/10/2009