Carta ao amigo distante
(Cuide das tuas preciosidades, enquanto Deus as permite contigo)
Saint Charles, 26 de abril de 1948.
Querido amigo [...],
Hoje, amanheci vazia de mim... Como se algo impiedoso tivesse levado minha alma e meus sonhos, os quais pretendia realizar, num futuro próximo.
Sei que não era a morte, mascarada e sorrateira, mas doeu como um punhal que atravessa a carne, já ferida e fragilizada.
O vazio que senti, nesta manhã, foi como nosso adeus no porto neblinado de São Francisco, naquela tarde de junho de 1942.
Eu não acreditei que perderia um amigo para "honrar a pátria", assim como não acredito que agora perco meus últimos sonhos.
Escrevo-te para contar que, depois de uma ventania intensa e mortal, consegui manter meus pés no chão. Escrevo para que não me rasguem interiormente, a vontade e o desejo de demonstrar meu afeto e minha saudade. [...]
Quero que você feche seus olhos e lembre da palpitação incerta e clandestina que habitava meu peito. O que nós sentíamos um pelo outro era maior que a eternidade e fazia do tempo, por ínfimos segundos, o maior tesouro do mundo.
Mas hoje o mesmo tempo, cruel e devasso, levou tudo.
Nossos amigos, nossas lutas, nossas promessas, nossas necessidades e, até mesmo, esperanças.
O tempo, aliado maior da morte, levou, hoje, meus anseios.
Talvez, por isso, selo esta carta como quem finda os gestos diante do Deus supremo...
Selo esta carta como alguém que já não possui nem a última palavra, nem a derradeira lágrima.
Selo esta carta, com a dor que selei meu último beijo em tua face, antes de você ir para Europa, naquela tarde sombria.
Selo, e com desejo, de nos reencontrarmos tão brevemente, além deste materialismo insignificante.[...]
A tua última imagem no cais fez-me sofrer dias e noites. Eu acreditava no teu regresso.
Mas você voltou tão tarde e tão distante do que éramos nós...
Você voltou como o vento que revira meus cabelos, nesta manhã ensolarada.
Você voltou como a maior das marés...
Que pena...
Pois voltou e, tão logo, quem parte sou eu.
As confluências complexas da vida não nos quisera unidos.
Como a noite e o dia; o sol e a lua...
A morte e a vida...
Você volta, talvez ressentido desta guerra; e eu vôo para o mais alto do céus, mas sem ter perdido, jamais, a esperança de teus olhos mais uma vez nos meus...