Angola - A Vingança
Cara Maria Olimpia,
Se eu pudesse passava os meus dias a escrever sobre Angola, mas com tanto trabalho e família grande, pouco tempo tenho para o fazer.
Mas, nos meus contos “Menino do Huambo”, quero seguir em frente, quero contar mais sobre o povo angolano, sobre a nossa história recente. Tenho o terceiro capítulo quase pronto, mas como vai surgir mais uma personagem chave, tenho tido alguma dificuldade em colocá-la na acção sem prejuízo da história que pretendo contar.
A minha ideia é transformar este conto num desafio: É ou não possível reescrever a história recente de Angola?
Tal como os historiadores a soldo dos regimes monárquicos e ditatoriais escreveram uma história que transformava reis portugueses com sífilis e gonorreia em conquistadores destemidos, transformaram reis e rainhas de Angola em escravos desdentados e submissos, prontos para serem enviados como escravos para o Brasil, tal como eles, eu pretendo reescrever a história da guerra em Angola, mas desta vez com heroísmo, orgulho, inter-ajuda, companheirismo e esperança.
Estes historiadores não serviram bem a humanidade apagando a cultura, a ciência, a língua, a politica desses povos, inundando os manuais escolares de várias gerações com mentiras de heroísmo europeu, escondendo extermínios de povos com evangelização e falso desenvolvimento.
O que vão eles fazer com a história da qual nós somos contemporâneos?
O que farão eles, agora que já não nos podem vir roubar matéria-prima e os nossos melhores homens e mulheres para trabalharem por eles?
O que farão eles, agora que já não precisamos das armas deles para nos matarmos uns aos outros, que preferimos a Paz e não a guerra?
Vão ter de nos aturar, comer a nossa comida, ouvir a nossa música, dançar as nossas danças, ler a nossa literatura, beijar os nossos filhos, trabalhar ao nosso lado e viverem connosco como irmãos.
Esse dia vai ser um dia muito feliz, pois será esta a vingança de 500 anos de ocupação europeia das terras de N’zinga Mbandi, Ekuikui e Katyavala.
Esse será um dia de comunhão entre irmãos, onde haverá abundância e alegria.
A vingança é realizar o sonho adiado durante séculos, quando os portugueses trouxeram às margens do Rio Congo a boa nova do Filho de Deus na terra, Jesus Cristo; quando trouxeram a Água Benta do Baptismo e a Comunhão Solene.
Vamos todos esquecer que trouxeram também ambição e cobiça, pólvora e canhões.
Vamos todos esquecer das naus que chegavam com doenças e ódio, partindo cheias do que nos era mais precioso.
Este é o meu desafio e vingança.
Escrever a história inventada de uma nação jovem, fazê-lo pelo bom-nome da esperança, da dignidade, da liberdade de conquistarmos a nossa felicidade.
Pretendo, pois, escrever sobre a nossa guerra, os nossos conflitos, mas desta vez sem adicionar mais sangue e ossos estraçalhados, nem regimes políticos. Escrever contos que os nossos jovens possam ler, possam ponderar sobre a loucura da guerra, sem prejuízo para as suas sensibilidades tão atacadas diariamente pelos noticiários.
Escrever sobre a valentia, a fé no futuro melhor, escrever com outras letras os episódios trágicos que fui testemunha.
Manuel Correia (pseudónimo em memória de meu pai, assassinado em Luanda, 27 de Março de 1988)