CARTA AO MEU PAI

“Meu velho pai e amigo:-

Saúde!

Remexendo os meus arquivos, deparei hoje com correspondência sua, datada de 28 de outubro de 1975 ! ...

Puxa, faz tanto tempo assim que não nos comunicamos? Não é possível! Tenho consciência de lhe haver escrito umas duas ou três vezes após o recebimento dessa sua missiva, pai. Mas, segue outra hoje!

Como vai o senhor? Na luta de sempre? Ainda fazendo seus balangandãs, seu artesanato? Tem ido bem? Saúde boa? Gostaria de saber noticias, meu velho!

Aqui, a peleja de sempre. Os meninos crescendo, virando gente, como dizia a saudosa Vó Fela. Ontem à noite, quando cheguei da Faculdade, fiquei admirando o Cássio, dormindo o sono dos justos. Pelo amor de Deus, como está grande o meu “Campeão” ! Doze anos, 2a. série ginasial, um rapazote. Ana Claudia também, u’a moça bonita, quase onze anos, na 1a série. É graciosa, compenetrada, como sua mãe. O Daniel é que continua a criança morrinhenta de toda hora, nervoso que só.

Mas, meu velho, também pudera já caminho para os trinta e sete janeiros! ... Quanto tempo se passou desde aquela tarde em que o senhor, empoeirado, chegando de uma das viagens com a “Euterpe Santa Luzia” (não era esse o nome da banda do Cedro?), saltou do caminhão na praça da Matriz e foi logo sendo informado por um moleque de que já era pai. Um menino! Sim, o primogênito do famoso atacante do “Cedro Esporte Clube”, Rêgo, o “Caroço”, homem que possuía uma bomba em ambos os pés, acabara de nascer. Um garoto magrelo, “feioso como um ratinho” (no dizer da Dona Santa), precisando ser batizado às pressas ... E foi, e sobreviveu, e hoje está aqui contando a história.

Como disse, muita água correu por baixo da ponte desde aquela tarde. Águas boas, calmas às vezes, turvas e violentas em outras ocasiões. Mas correndo sempre porque o relógio do tempo não para. O menino magrelo espichou, cresceu, virou gente (de novo Vó Fela), casou-se, viajou bastante, botou três filhos no mundo, etc., etc. . Mas não perdeu o sentimento de amor à sua terra, à sua família, aos costumes, às tradições mineiras e interioranas. Agora, por exemplo, ele dá testemunho disso, meu bom e velho pai! Sim, porque estou a lhe escrever saudoso, tentando comunicar-me, sentindo a sua falta, sua presença forte, sentindo falta da velha mãe, Dona Flaviana, dos irmãos, daquela confusão gostosa da Família Rêgo, nove irmãos, cambada unida, enturmada!

O Aécio e seu acordeom, o Rubinho no violão, o Zé Afonso nas colheres, o senhor, meu pai, no saxofone e eu no pandeiro (“espanta boiada”, como o senhor dizia ...), todos juntos, em ritmo e harmonia, num dos famosos ensaios espontâneos do “Conjunto Constantino de Ritmos”, na acolhedora Renascença, ao cair da tarde, cujos ensaios faziam os operários da fabrica de tecidos estancar à frente da Botucatu 129, na subida ou na descida, pra curtir o espetáculo gratuito. Saudades! ...

A sua bênção, meu pai! ...”

-o-o-o-o-o-

Recife, 1976

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 04/10/2009
Código do texto: T1846704
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