" ... O último adeus
Acordo, me arrumo, pego o metrô, me atraso e encontro você. Eu não imaginava fazer isso de novo, principalmente agora, com intenções que fogem totalmente ao desejo do meu coração. Aliás, sinto que ele aperta no peito, louco para fugir, louco por uma ilusão.
Entro novamente no seu mundo, e me sinto tão deslocada. Você sorri. Sei que tenta sorrir a mais sereno possível, na fracassada tentativa de me passar a segurança que jamais existiu verdadeiramente. Lá dentro de mim, me aborreço com o teu sorriso. Você abre a boca e fala. E começa a me contar todas as novidades possíveis, e eu não entendo o porquê disso.
Se eu vou sair da sua vida, pra quê me contar desesperadamente tudo aquilo que não preciso saber? Tudo o que gastarei meses para esquecer?!
Você pergunta o que eu tenho, e eu quase me jogo do carro. Não acho necessário evidenciar o quanto você está normal, e eu não.
Respondo que não tenho nada, e você diz que me conhece; é evidente que a minha dor está estampada no rosto.
Nós conversamos.
Você me diz tudo o que eu já sei, e eu escuto como se fosse a primeiríssima vez. Chega a minha vez de falar.
E eu começo mansa, firme, equilibrada; te digo tudo o que não tinha coragem de dizer, por puro medo de estragar nossa linda ilusão; você chora, você corta o meu coração. Mas eu falo. Eu preciso falar. Jamais poderia deixar todas aquelas observações dentro de mim, apodrecendo, fedendo, ocupando espaço, me consumindo. Me aborreço com isso.
Pela última vez, nossos corações se unem. E batem em uníssono. Você me olha e chora. Eu choro e te olho.
O beijo é inevitável. E beijamos realmente como se fosse a última vez. Eu passo mal. Meu coração despedaçado desce do salto, e o que estava espampado no rosto, se alastra por todo o corpo; estremece minhas estruturas, e deixa todas as minhas fraquezas expostas. Já não posso me manter tão mansa, firme e equilibrada.
Nossos rostos estão inchados, tristes, tensos. Você busca água com açúcar, e é a água com açúcar mais amarga que eu já tomei. Nós nos deitamos, eu me encolho em teu peito, aspirando todo o cheiro possível, na esperança de decorar todos os detalhes daquele último instante.
Transbordo de nostalgia, e simplesmente não compreendo como chegamos alí, como algo tão estranhamente perfeito se desestruturava daquela maneira... sem um grito, sem uma briga. Você me beija. E beija como antes. E choramos.
A gente ri, e por instantes se esquece que aquilo é uma despedida.
A gente tira fotos. As mesmas que deveriam ter sido tiradas antes. Precisávamos. Seria arriscado demais contar apensas com os recursos da memória.
O tempo acaba. Eu olho pela última vez a sua tatuagem de dragão que eu tanto gosto, e me aborreço com você. Fico louca por tudo ser tão incompleto.
Você me deixa no metrô, meu coração grita, chora, mas aceita voltar ao peito. A gente se abraça, se beija, se despede, deseja sorte, e você me agradece. Eu me aborreço de novo.
Você vai embora, e eu não olho para trás. Visto a coragem e a força, e me convenço de que se não estou bem, estou ao menos, aliviada.
Eu escrevo tudo isso, para não esquecer. Passou uma semana, um mês, dois meses, um ano, dez anos...
e eu ainda me aborreço com você.
Portanto, essa palavra é toda sua.