Carta de tão perto

Qualquer lugar, 28 de Setembro de 1990

Caro Amigo João Victor.

A realidade é algo muito mais intenso do que realmente se vê por ai, é tão real que passa a ser abstrato, e nós que pensávamos que seríamos felizes por aqui, é incrível ver essas crianças morrendo por poucos trocados e anseio falsos. Mas estaria eu mentindo se te dissestes que pouco aprendi por aqui, muito pelo contrário, aprendi bastante com os homens megalomaníacos, fanáticos e dolosos, aprendi também que, quantos mais temos, vemos que é pouquíssimo para o que podemos ter dentro dos bolsos, esse desejo é a maior diretriz desses seres.

Digo-lhe meu velho, são homens de raciocínios esplendidos, criativos, dinâmicos e versáteis, no entanto, selvagens quando defronte às riquezas materiais. Aqui, detém o poder quem mais tem metais, porções de terra, lideranças sociais, eu tenho a leve impressão de que eles esqueceram dos princípios básicos que aprendi no lugar que nasci, a importância e o papel de até mesmo o mais "pobre" dos homens num lugar, talvez eles saibam sim, eu que estou sendo ignorante de dizer que esqueceram, claro! Todos sabem sim, afinal, nossa terra não é tão distante, eu tenho a certeza de que eles sabem meu irmão, só talvez tenham sido inocentes, e se entregado ao prazer da ostentação.

Sei que devo estar lhe dando nos nervos, pois eles parecem tão inocentes ao nosso ver não é mesmo?! Como pode? Homens crescidos e formados para o bem do seu povo se absterem do martírio e da glória aquisitiva? Eu os entendo, talvez eu é que seja o tolo nessa história, não posso viver se não ter nada o que comer, minha idiossincrasia não é nada comparada aos influentes pensamentos dos poderosos imperadores sem instrução de mundo daqui. Meu caro amigo, me arrependo amargamente de lhe remeter essa carta, pois o objetivo dela de nada lhe será útil, talvez pensar seja um exercício anacrônico, nós estamos muito velhos, temos que nos habituar a megalópole e sua dialética sociocultural. Sem mais, despeço-me e um grande abraço.

Caio Cézar

Caio Cézar
Enviado por Caio Cézar em 01/10/2009
Código do texto: T1842311
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