Carta de Luto
Em minha família o tema “morte” sempre foi um tabu. Cresci em um ambiente familiar onde não tratávamos desse assunto. Nunca, em toda minha vida, essa questão foi discutida abertamente com meus pais, irmãos e irmãs.
E, sei que isso se manteve assim, até que os dias de hoje, por que nunca nossa família havia tido uma perda de um ente querido. Dessa forma, sempre vivi alheio às questões relativas à morte.
Recordo que pouquíssimas vezes me debrucei para pensar na simples idéia de minha própria morte ou na expectativa mais do que certa de morrer um dia. Da mesma maneira, não pensava na morte de um ente querido ou mesmo de alguém desconhecido.
Eu me considerava um ser humano diferente, alguém mais maduro e mais centrado do que a maioria das pessoas à minha volta. Eu frequentemente me gabava de dizer que não pensava na morte e até cheguei algumas vezes a menosprezar pessoas que aparentavam dar atenção excessiva ao assunto.
Verdadeiramente, jamais pude imaginar que teria uma relação tão sofrível ao passar pela experiência de perder alguém. Ter perdido minha mãe inesperadamente, num acidente doméstico, me trouxe sentimentos confusos e dolorosos de um jeito que nunca havia imaginado vivenciar.
Todos os dias sou atormentado pela lembrança da perda de minha mãe querida. Acho que aquela cena triste jamais me sairá da cabeça.
Sinto-me tão impotente pela forma tão banal com que a morte acometeu minha progenitora, e a minha dor é maior por saber que estava lá, ao seu lado, e que nada pude fazer.
Tudo parecida tão normal, um fim de semana corriqueiro, mas mal podia imaginar que minha vida e de toda minha família mudariam tão drasticamente.
Naquele domingo fatídico, só recordo de ter ouvido um grande estrondo, seguido de um grito agudo de minha mãe. Imediatamente corri em direção ao barulho e vi minha querida mãe caída ao pé da máquina de costura, já falecida por causa de um choque elétrico de um fio desencapado.
Nas horas e dias seguintes à morte dela, todos nós passamos por uma fase de descrença, ficando totalmente "atordoados", como se não pudéssemos crer no fato transcorrido. Este sentimento de torpor ou dormência emocional acometeu a todos de minha casa de modo geral, mas eu fui atingido de uma modo deverás grave.
Desde então, a dor do luto tem sido um problema que subsiste e não me deixa prosseguir vivendo normalmente. Não há um dia sequer que não vejo em sonhos o corpo de minha mãe falecida ... as imagens do velório e do enterro não saem de minha mente. Hoje vivo atormentado pelas lembranças recorrentes de minha mãe.
Tenho sido acometido pelo sentimento de querer encontrá-la seja de que maneira for, mesmo que tal acontecimento pareça impossível de se concretizar. Não tenho conseguido relaxar, nem tenho me concentrado em nada. O sono tem sido para mim algo perturbador. Os sonhos que tenho tido são extremamente confusos e, às vezes, chego mesmo a vê-la, na rua, em casa e em todo e qualquer lugar que eu esteja.
Sinto-me culpado por não tê-la protegido, por não ter sido capaz de impedir sua morte. Quando penso nas coisas que podia ter feito ou dito para minha mãe quando ela ainda estava do meu lado, sinto-me atormentado por um sentimento de condenação. As vezes penso nessas coisas e me considero omisso, pois sei que não há mais retorno para corrigir tais fatos, o que acaba me fazendo entrar em depressão profunda. Assim, passo por períodos de grande tristeza, o que me faz querer estar isolado, sozinho e em silêncio.
Tenho plena convicção que essa mudança súbita de emoções tem deixado meus amigos e familiares confusos. Mas, pouco consigo fazer para mudar tal situação. E, quando mais reflito no assunto, mais tenho sido atingido por crises de choro e angústia intensa.
Em todos esses instantes tenho pensado numa forma de mostrar meu reconhecimento e minhas congratulações à minha amada mãe, e tenho buscado transmitir aos outros o quão importante significa valorizarmos as pessoas próximas à nós.
É por isso, caro amigo, que escrevi essa Carta, pois quero que todas as pessoas conheçam o quão doloroso pode ser a perda de alguém a quem se ama tanto.
Assim, espero que você não desperdice nenhum momento sequer. Cuide e dedique afeto aos entes queridos e amigos à sua volta. Ame a todos sem reservas e com todo coração !!!
Iperó - SP, 26 de setembro de 2009.
João Vale dos Santos
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Iperó - SP, Setembro de 2009.
Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br