Advertência
Olá nobre ave,
Espero que ao receber essa carta esteja bem tanto quanto eu poderia está no presente momento em que escrevo.
Bem sei que um discurso escrito é como um mestre que fala mas não responde. Desse ponto de vista poderás contestar de muito ou pouco do que digo aqui. Porém de nada adiantará. Uma possível defesa partindo dessas palavras, aqui grafadas, soará meio que bizarro, não concorda?
Bom, recordo que já havia alertado para quando de seu retorno por ocasião esbarrar em mim não se iludir com meu olhar, pois será mero disfarce. Em meio a um turbilhão de desventuras pouco me restou além da crendice de que o "homem que nessa terra miserável, vive entre feras, sente inevitável vontade de também ser fera", além da certeza da dúvida; uma outra vida (melhor, por sinal) e a incerteza do que é certo; minha própria finitude (talvez bem antes de alcançar metade dos meus objetivos).
No meio de tudo isso poderei conclamar que busquei - ou ainda busco - a felicidade; mesmo mergulhado no lago escuro do ceticismo.
No âmago de minha existência a verdade sobre ela, a felicidade, sempre existiu, e veio à tona até imperar sob meus propósitos terrenos depois que te encontrei. Hoje se perguntasse se felicidade existe talvez você me respondesse: "só podemos tocar no que nossas mãos acreditam alcançar". Em réplica eu acrescentaria; “na vida nada é certo, e que por mais que a si próprio se iluda, o egoísmo humano é descoberto." Ou seja, quer queiramos ou não, nessa busca laboriosa do ser feliz, acabamos dividindo o fardo com quem acreditamos poder confiar, e é esse o erro capital. Todos buscam uma mesma coisa: o interesse próprio. Uns mais do que outros. Enfim, o egoísmo faz prezas e predadores, vítimas e acusados, os mais espertos comumente tripudiam sobre os mais desprevenidos. Isso por que talvez acreditamos ser mais humanos do que realmente somos ou um pouco mais do que seja o próximo.
É comum o amante querer que o amado siga sua órbita, pratique o que lhe é agradável ou até mesmo sirva aos mesmos credos. Um "amigo", raramente oferecerá sua túnica sobe pena de padecer no frio. E por que será que comumente causa-nos espanto, prestar serviço em prol de um outro, se a caridade é uma das mais nobres virtudes e peculiar ao homem? Se ela nos é própria então por que o espanto? Se se pode arriscar uma hipótese, diria que enquanto prevalecer essa disputa de interesses, até nossa sombra poderá nos surpreender a qualquer instante, modelando o lado obscuro de outro corpo.
Não sou tão diferente do que acabo de descrever, mas creio que minha alma, antes de ter caído nessa prisão que é meu corpo, tenha vislumbrado a pureza, a justiça e a sabedoria e mesmo tendo decaído em meio a tantos vícios ainda guardo comigo uma vaga recordação daquilo que um dia contemplei e espero ainda contemplar.
Diante de tudo, é claro, ressalvo o que guardo pra você em mim.
Tt.