Carta de Carnaval

Carnaval, 2002.

Querida!

Como estás?

Primeiro gostaria de me desculpar, antes de tudo por esta carta não ser de meu próprio punho. Parece um tanto frio o teclar, mas desculpe minha letra está cada dia mais ilegível. Em segundo lugar peço que tu não te assustes, mas esta carta terá forma de carta, isto é, vou usar e abusar das facilidades e da beleza da escrita... e de todas as imagens que ela possa representar.

Como eu ia dizendo... é Carnaval. Lá fora chove. Chove tanto quanto aqui dentro do meu peito, pois cada pingo é um consolo e cada gota um novo broto.

Como está? Ainda voa por aí agarrada nos teus sonhos? Ainda pisa suavemente plantada na realidade? – Ainda bem!! Te admiro muito, tão nova e tão “desassossegada”!

Eu tive tanto medo nestes dias. Medo do abandono, da solidão e até mesmo do peso do meu corpo que hora parecia um fardo muito árduo, enfim, até mesmo medo do preço do meu sorriso e da minha boa educação. Mas agora estou em férias e posso respirar e transbordar sentimentos, tanto bons quanto maus. Posso deixar que a enxurrada arraste tudo que vinha me amarrando, prendendo.

Ainda não me encontrei porém, e talvez nem chegue este dia, mas tomo fôlego, já posso vislumbrar uma nova caminhada. Alguma coisa teve que morrer dentro de mim para poder nascer outra. Parece sarcasmo, mas a vida sobrevive de “mortes”. E o coração, esse silencioso barulhento que nos tira o sono. Este escondido que treme no peito. Este sim é sarcástico. Zomba o tempo todo de nossas faculdades. Mas o meu, não pode mais ser abrigo para fantasmas nem lugar de sombras, o meu, deve ser apenas estrada, apenas pegadas que o tempo vai apagando.

Não sei se tu sabe, mas sempre tive uma veia meio trágica, assim, melo-dramática mesmo. Quem sabe um dia eu vire uma cena, quem sabe eu vire samba, quem sabe...

Mas, não tem como sofrer sem sofrer, doer sem doer e nem como viver sem morrer. Sou assim mesmo! No tanto que me cabe a alegria, me cabe também a tristeza e isso me faz bem, porque só assim tomo enfim as minhas dimensões e as proporções dos meus espaços internos.

Falei com teu irmão outro dia... Ele pensa que caiu de uma constelação! Deixaremos ele pensar assim e ser feliz pela maneira mais prática. Eu mesmo já tive esta ilusão quando foi minha estrela. Mal sabe ele que caiu no mar, onde as estrelas não tem brilho. Mas ainda assim são estrelas.

E tu? Tão diferente, tão avesso. Brilha e nem sabe que é estrela. Mas é. E ao contrario dele, não pensa que caiu do céu, mas sabe teu ofício de iluminar.

Estou num outro momento de vida... uns quando sofrem, não se suportam e se drogam, se anestesiam, outros se agarram a Deus ou a uma religião, eu, não escapo destes, também sucumbi, também precisei afastar os olhos, estou de endereço novo, minha alma não habita a religião, que Deus me perdoe!! E nem se dissolve em drogas, mas confesso, estou mesmo assim, contaminada, apaixonada ... como sempre fui porém não tão fiel como agora. Minha alma e meu coração estão vivendo de filosofia, de versos, de sentimentos profundos, existencialistas... e parafraseando Fernando Pessoa (...) “é preciso um realista para descobrir a realidade; é preciso um romântico para criá-la”, aqui é que eu me encaixo. É por aqui que a minha vida segue e assim como tu, ainda hei de desamarrar meus pés do chão e criar a minha realidade idealista, companheira.

Já conheço meus cantos, meus escuros e o quanto cabe em mim a luz, a claridade. Sei que te preocupa comigo, me quer bem, assim como eu e da mesma forma que tu. Então... fica tranqüila!! Muitos nos chamam de radical, mas quando seguimos nosso caminho, são nossas vísceras que comandam, para que mais visceral que o coração? São nossas vísceras que respondem, e as minhas, vão muito bem obrigada! Irrigadas de vida e pensamentos.

Não é à toa que escrevo pra ti esta carta, sei que tens alcance, talvez não para simplesmente me compreender, mas para me sentir. Estou em cada letra, em cada espaço entre linhas...Sinto que podes me sentir.

Apesar de ter falado tanto de mim até agora, estou te escrevendo para dizer o quanto te admiro, o quanto continuo te querendo bem e principalmente o quanto em ti confio para falar de mim como nunca ...

Sei também que minha carta será acolhida com carinho, e ficará lá... guardada no teu coração. Assim que eu te vejo e a tua família, guardada no meu coração...

Pois bem amiga, temo me tornar repetitiva e cansativa vou encerrando por aqui.

Esta carta talvez seja o início de um longo bate papo que não tem hora de acabar, talvez seja uma via de expressão, de amiga para amiga, como os grandes filósofos, escritores e pensadores do século passado... que escreviam-se poeticamente, sem censuras sobre seus pensamentos e teorias, ou seja talvez ainda apenas uma carta que teve abrigo certo. Como já disse acima, guardada com carinho numa gaveta do teu coração, já me dou por satisfeita...

Giovana Rossa
Enviado por Giovana Rossa em 03/09/2009
Código do texto: T1791340