CARTAS AO LEO

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Campo Grande, Agosto de 2009

Queira desculpar, caro Leo, minha demora em responder-lhe. Só agora me sinto em condições de escrever-lhe, depois de uma gripe braba; gripe de inverno, sem qualquer presença suína.

Cícero escreveu, certa vez, que "viver na ignorância do que aconteceu antes de nascermos é ficar para sempre na infância. Pois qual é o valor da vida humana se não a relacionarmos com os eventos do passado que a história guardou para nós”?

Eu, depois que tomei conhecimento desse dizer de Cícero, acatei seu conselho. Daí por diante, leio qualquer evento do passado, que me caia as mãos. E foi assim que li, numa recente brochura, alguns fatos, ainda não detalhados, de nossa História Colonial, relacionados, mais precisamente, a família real. Achei o assunto interessante e tenho certeza de que também o achará. De modo que vou repassá-lo.

O Livro reconstitui em detalhes a história da loucura da rainha D. Maria I, de Portugal, também chamada de Dona Maria, a Louca. Não vou, é claro, transcrever todos os detalhes, somente alguns pontos deles que achei interessante a nós.

A depressão e a loucura tinham raízes na família de Dona Maria. Seu tio Fernando VI, depressivo, trocava o dia pela noite e obrigava toda a corte a fazer o mesmo. Certa ocasião chegou a ficar sem mudar de roupa por um ano. Fernando era, realmente, uma vergonha para a depressão; não acha?

Além das raízes, a vida de Dona Maria foi marcada por tragédias que provavelmente contribuíram para sua doença. Como seu pai não teve filhos homens, a dinastia dos Bragança ficava, desse modo, em risco. A solução foi casá-la com um tio, Dom Pedro III. Casamento entre parentes, você já sabe, só traz problemas. Dona Maria perdeu cinco de seus seis filhos, três deles ainda criança. Num espaço de dois anos ela viu morrer o marido, o filho primogênito - de varíola, pois ela se recusou a vaciná-lo por motivos religiosos - e uma filha.

Em fevereiro de 1792, quando voltava do teatro, Dona Maria - aos 57 anos - "surtou" em público. Ela gritava, pedia ajuda divina e dizia ter visões do inferno, mais exatamente com as penas eternas que o pai estaria sofrendo no inferno, por ter permitido a Pombal perseguir os jesuítas. Depois desse surto, delírios constantes passaram a atormentá-la. Documentos da época demonstram que já fazia cinco meses que a rainha vinha alternando momentos de melancolia e agitação. Olha a bipolaridade aí gente.

A rainha foi examinada por 21 especialistas, que tentaram banhos frios, sangrias e evacuações forçadas. Não era mole ser bipolar naquela época. Banho frio ainda vai, mas o resto... Francis Willis, um famoso médico inglês diagnosticou que o caso da rainha, era um caso perdido. Com isso Portugal entrou num período de luto. Os espetáculos públicos foram proibidos e a família real se enclausurou no palácio. Ela só voltou a aparecer em publico quando a família real se mudou para o Brasil. Foi embarcada a força.

Dona Maria (a Louca), apesar de tudo, tinha berço esplêndido o que amenizou um pouquinho o sofrimento dela. Se não tivesse, se fosse povo; naquela época seria jogada num asilo para loucos e isolada do mundo, numa pocilga, para sempre.

Cuidado com a gripe!

Forte Abraço

Ricardo Sérgio.

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