Respondendo a uma colega, sobre um texto que compara mendigos com "dalits" de novela das 8.

Respondendo a uma colega, sobre um texto que compara mendigos com "dalits" de novela das 8.

"Não concordo com a tese do texto que me enviou, C.

Tentar comparar a situação dos mendigos de rua do nosso país com "dalits" das novelas das 8, não dá.

São duas realidades diferentes, minha cara. Lá, até pouco tempo, por questões religiosas, culturais e, legais, a espantosa separação dos indivíduos em diferentes castas e, não, classes sociais. Era uma sociedade onde o indivíduo só tinha mobilidade dentro do espaço de sua casta...

Aqui, a sociedade tem a sua própria divisão, mas, em classes sociais - e, a mobilidade é inegável. O Indivíduo pode sair das fímbrias da sociedade e, chegar ao topo, dependendo de uma série de fatores - em especial, a dedicação ao trabalho. E, pode acontecer, também, o contrário: muitos indivíduos podem despencar do ninho de conforto das classes mais abastadas e, cair da sarjeta, se for leniente com sua conduta e, suas posses.

Curioso que, institucionalmente, os "dalits" tinham o seu lugar reconhecido, na Índia - a meu ver, o papel de capacho. E os mendigos não tem esse reconhecimento, em nossa sociedade. Vivem à margem, por aí...

Mas, voltando à mobilidade social, os exemplos, não faltam - dias atrás, encontrei no centro da cidade, um indivíduo na mendicância que, pelos modos, vocabulário e, até o corte do cabelo não passa de alguém da classe média que, por egoismo, se entregou ao alcoolismo, perdeu tudo e, agora, está nas ruas, mendigando.

Muita gente está nas ruas, não por chance na vida, mas por incapacidade de aceitar o seu desafio, consubstanciado na sagrada missão de sobreviver pelo trabalho, dia a dia.

Anda muito na moda a defesa desse tipo de tese oportunista que, partindo da comparação de realidades e, situações diferentes, nos induz a certas conclusões.

A despeito de tudo, vivemos num país, onde, a despeito de todas as tentativas (inclusive oficiais de provar o contrário), um homem tem liberdade para conduzir seu destino - para frente ou, para o fracasso.

Mas, tudo depende da iniciativa, da vontade e, claro, do trabalho - o trabalho é a chave de muitas soluções individuais e, sociais, a despeito do que muito "doutor" anda sustentando por aí.

Quanto aos mendigos; à parte a ajuda para a satisfação de suas vontades imediatas e, a tentativa de resgatá-los (desafio nem sempre fácil ou, possível), o que podemos fazer de melhor é pagar os impostos e, pressionar as autoridades para apresentem um sistema educacional eficiente e, com uma estrutura tal que dê as ferramentas básicas para que os seus filhos possam se encaminhar na vida e, trilharem um caminho diferente da vida dos pais. E claro, contribuir para que esse processo tenha sucesso.

A tese da moça parece vinda de alguém de bom coração. Mas, na minha opinião, é oportunista e, nos leva a conclusões erradas sobre as diversas realidades do mundo, que nem sempre podem ser objetivamente comparadas.

Mas, é claro: no meu texto, indiretamente, está expressa a minha impaciência com certos exotismos e, idéias fáceis.

Entendo que, a despeito de todas as mazelas de nossa sociedade e, dos maus exemplos vindos de todo lado, vivemos num país muito bom, onde existe democracia representativa, governo laico, escola para todos, liberdade para as mulheres e, oferta de alimento barato.

São muito poucos poucos, mesmo, os países que reúnem tudo isso numa realidade só.

Abraços!"

"Respeitosamente, colega;

Também discordo dessa associação fácil entre governo corrupto e, pessoas no estado de mendicância. A despeito de tudo, não se pode reconhecer os esforços que os governos fazem no sentido de inclusão social, já se vão várias decadas, como o caso do direito unviersal à saude (poucos países ofertam isso), o estabelecimento de creches, programas de apoio à mulher, ao velho e, à criança. Nesse sentido, me parece impossível estabelecer uma relação entre o mendigo da rua e a atuação do governo, pelo contrário.

Mas, é claro, estou me referindo ao mendigo, à população de rua...

É evidente que, se o nosso dinheiro fosse melhor aplicado, muito mais pessoas teriam deixado a faixa da população de baixa renda.

A discussão sobre o chamado "estado de miséria econômica", para mim, entretanto, também precisa de uma atualização.

Em parte pelo desenvolvimento econômico do país e, em parte pelas importantes ações de inclusão social (dentro do modelo chamado de "welfare state") também modificaram muito o perfil econômico do povo brasileiro. E, eu não temo em afirmar que, muito pouca gente se encontra nessa situação, pois têm acesso ao básico para a sobrevivência.

Mas, concordo com sua afirmação de que os recursos públicos mal aplicados e, especialmente que é saqueado por governos das mais distintas colorações ideológicas (se é que isso existe a sério, atualmente, no Brasil e no mundo) poderiam mudar o perfil do país e dos brasileiros, pois poderiam significar melhores escolas, saúde pública mais eficiente e barata, mais creches e programas de apoio e, inclusão social.

Mas, isso depende basicamente da nossa transformação, no sentido de valorizar nossa cidadania, de mudar e impor nossos valores no sentido de nação e projeto de país, através da escolha de representantes políticos dignos desse nome.

De nada adianta protestar e, votar depois, nos tipos que nos envergonham e, guerreiam publicamente pelo direito de saquear recursos públicos através dos mais diversos expedientes, como é o atual caso do Senador José Sarney, que recebeu o apoio público do Presidente da República e, se manteve como quis, graças ao apoio do Partido dos Trabalhadadores e associados (só mesmo no Brasil, um partido socialista se associa a um político da época das capitanias hereditárias e, ainda tenta explicar a parceria...)

Mas, afirmo, por que sei de exemplos: muita gente está na mendicância ou faz parte da população de rua porque não teve coragem para enfrentar o destino. E outros, por opção de vida.

Conheço casos concretos de famílias inteiras mergulhadas na mendicância e em diversos vícios perniciosos, que, imagine!, recebem os benefícios típicos do welfare state, ou seja, bolsa família, cesta básica e, por aí, vai - e, nesse caso, os mais velhos empurram os filhos para as ruas... "

"Voltando ao assunto, se me permite:

Em parte, a situação que verificamos, principalmente nas grandes cidades, em relação a emprego, moradia e tudo o mais, decorre de um movimento que ocorreu num curto período de tempo - 50 anos e, que se constituiu no deslocamento de populações da zona rural para a zona urbana. Lá pelos anos 40, cerca de 80% da população brasileira vivia na zona rural. 50 anos depois, essa curva se inverteu e hoje, 83% da população brasileira se encontra nas cidades.

As causas desse deslocamento são várias, mas incluem, evidentemente, a transformação da legislação trabalhistas, na época de Vargas.

De qualquer, forma, considero esse movimento de deslocamento de população algo gigantesco.

As grandes e médias cidades não estavam preparadas para esse movimento - não havia estrutura para receber esse contingente de população que, perdeu o espaço e meio de sobrevivência no campo (nem sempre de relações empregatícias regulares - por aqui, por exemplo, havia a figura do "agregado", herança da época colonial e, que era uma espécie de parceiro eventual do proprietário da terra).

A população não parou de se deslocar de um setor para o outro durante décadas (e, veio para ficar, pois a vida de agruras na cidade é bem mais confortável que a vida do campo). Então, não havia como ofertar de uma tacada, emprego, infra-estrutura urbana, habitação, saneamento e escola de qualidade.

Mas, a algo de interessante nisto. Agora, a maioria da população está nas cidades - os problemas decorrentes do impressionante êxodo rural ocorrido e, da conformação desse imenso contintente humano nas cidades, impõe criatividade e o encontro de soluções coletivas, de curto, médio e, longo prazo e, claro, será viabilizada através de mediação e exercício do poder político - do líder do bairro até o Presidente da República.

Embora demande razoável período de tempo, as soluções não deixarão de aparecer.

E, a despeito das carências, a brava população brasileira se virou como pode, pois, a cada nova geração, o avanço no acesso aos beníficios da vida na cidade vai se estendendo em diração às camadas mais carentes da população (não deixo de me surpreender com o imigrante que chega à minha cidade apenas com a expectativa de melhora de vida, que alguns anos depois, já se estabilizou num emprego ou atividade econômica, construiu sua casinha e, formou sua orgulhosa família).

Acho que o destino do Brasil é ser grande. E por isso mesmo, temos que pensar e imaginar grande, também.

A despeito da falta de estrutura, da ligação da melhoria de vida com o exercício pleno e responsável da cidadania - na escolha dos representantes políticos por exemplo - e, da demanda de tempo para a correção de muitas distorções que vem da época que a primeira caravela aportou na Bahia, creio que a nossa nação e nosso país avançou tanto que, não tem volta, estamos fadados a constriur um Brasil grande de uma nação respeitada, que fará orgulhar nossos descendentes..."