preces
e eu vou ficar aqui rabiscando todas as respostas, ensaiando todos os erros que meu corpo puder suportar. apenas pra não dormir nessa noite imensa, nesse dia inerte. e não mais respirar esse vento áspero então. esquecer essas horas como quem esquece de aquecer a água. apenas para me fingir de leve. e aliviar todo o sangue que há nas portas. os lírios vermelhos a rasgar a tarde. o dia a envelhecer sereno. como um enlouquecer de dedos e asas sem sonhos. como as mãos a esconder a cabeça dos medos todos. os olhos fechados para estancar o grito. e todos, todos os copos. as mesas, os gestos, todas as janelas abertas, todas as frestas. os trapos, os restos, as feridas sem alívio algum. sem alívio. marteladas de silêncio amargo – o tempo gotejante e ácido a cair – ampulheta avessa a revolver olhos e braços e palavras sem abraço. e palavras sem sentido algum em meio a todos os risos que encobrem o silêncio profundo. o dia todo e a fila. a marcha ininterrupta e infértil de todos animais cabisbaixos. enveredados na corda que se faz bamba. e apenas permaneço aqui. marchando cinza e inutilmente nas horas e horas em que o silêncio se queda e o medo do abismo relembra preces antigas. como uma canção de ninar pra não enlouquecer baixinho.