CAMINHO DE ESTRELAS

Na despedida eu o deixei chorando. Por mais que quisesse disfarçar vi suas lágrimas rolando por sob os óculos. Nos enlaçamos num longo abraço e ficamos assim por alguns instantes a consumir o perfume e a presença de ambos.

Aos poucos fomos relaxando as forças e nos apartamos. Não havia mais o que dizer. Eu estava determinado a partir e nem mesmo ele era capaz de me segurar.

Fez-me prometer um breve regresso. Prometi, mas sabia que não cumpriria. De fato os anos passaram a correr desenfreados feito cavalos selvagens e nossos laços foram descabidamente se partindo.

As lembranças dos momentos de inocência foram se apagando lentamente. Em minha memória restava apenas cenas turvas de um filme mudo, onde brincávamos de super heróis junto ao mar.

Ah, como o fiz sofrer. A imposta solidão dos condenados, lhe escarniçou o coração, e aos poucos o transformou em pedra bruta coberta de fungos.

Em nossos ocasionais contatos telefônicos, por vezes encenávamos um diálogo sem sentido onde não havia o que ser dito. A inexistência de palavras foi nos levando ao isolamento. Tornamo-nos seres diferentes de uma mesma espécie.

Quando as amarras da distância foram vencidas e finalmente voltamos a nos encontrar, você já estava enfermo. Os cabelos brancos e o olhar sem brilho denunciavam a fragilidade da alma e do corpo.

Oh Deus, o que fiz? Roubei-lhe os melhores anos de vida e como um larápio sem honra não compartilhei nada da pilhagem. Não havia mais tempo pra reembolso. A frieza evidente de nosso relacionamento exauria as possibilidades de um último recomeço. O câncer, a lhe consumir as últimas horas do tempo, era mais forte que nós dois.

Mesmo estando ao seu lado foram poucos os momentos juntos. Sorrimos menos que o de costume e nos abraçamos só mais uma vez. A mão desastrosa do destino novamente me mandava ir embora.

Fui, mas meu retorno aos seus braços foi bem mais rápido e sofrível.

Ele aprendeu o caminho das estrelas. Sem inimigos, sem dívidas e sem fortuna, partiu pra sempre na companhia de uma estrela.

Fiquei aqui a rezar pra que ele fizesse uma boa viagem.

Desculpa meu pai pelos momentos em que fui tão ausente em sua vida.

A Orestes Barbosa da Silva, meu Pai.

Herivaldo Ataíde
Enviado por Herivaldo Ataíde em 05/08/2009
Reeditado em 13/08/2011
Código do texto: T1737317
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.