Carta à minha quase ex-amiga

Minha querida amiga:


     Sim, com certeza, o meu temperamento, sempre foi, além de brigão, orgulhoso e caprichoso, e por isso, muitas vezes, já passei por cima dos meus sentimentos só para "não dar o braço a torcer".

     Entretanto, como você pode observar pela leitura do meu livro autobiográfico, fui obrigado - esse é o termo exato - para vencer a dependência química e o desequilíbrio emocional, a adotar no meu dia-a-dia as sugestões do AA e N/A - instituições das quais faço parte,  inclusive das suas equipes de palestrantes - para levar uma vida emocional mais saudável. Sempre que o meu insano orgulho ameaça me arrastar para uma posição de confronto irreconciliável, eu avalio os custos/benefícios dessa atitude: vale a pena "não dar o braço a torcer"? Na maioria das vezes, percebo que tenho muito mais a perder, aliás, tudo, porque na hora em que eu me mantenho numa posição intransigente a única coisa que eu ganho é somente prejuízo: baixa nos meus valores morais e espirituais, perda de amizades, afastamento e solidão.

     Não é fácil fazer essa autocrítica, pois o orgulho nos cristaliza hábitos até mesmo ridículos e infantis, mas que podem nos fechar a mente para enxergar algo mais que o nosso próprio ego.  Nessas horas, é preciso nos reduzir ao nosso verdadeiro tamanho, deixar de nos autojustificar, eliminar as palavras "culpa alheia" e nos responsabilizar por nossos atos.

     Aos trancos e barrancos, com o choro e o ranger de dentes do meu ego, estou tentando enxergar o mundo com olhos além da minha própria vontade e dos meus particulares desejos e, assim, embora ainda engatinhando na prática da humildade, tenho a satisfação de confessar-lhe que mesmo na Internet - terreno perigoso, onde a grande maioria dos contatos se estabelece e se desenvolve apenas através das palavras que ensejam “n" interpretações - tenho parado para remendar amizades rotas ou descosturadas pelo orgulho . E com sucesso, pois algumas dessas amizades estão durando anos – um caminho em que, de vez em quando, é necessário afastar algumas pedras.

     Desde que admiti perfeitamente o preceito espiritual que não falha: “Toda vez que eu estiver descontrolado, seja qual for a causa, alguma coisa em mim está errada”, desde que desisti de ser proprietário da verdade e me assumi como realmente sou – apenas um ser humano que precisa da companhia de outros seres humanos – estou dando um boi para entrar num relacionamento e uma boiada para não sair dele.

     Quando a elegi uma das minhas prediletas amigas, eu dei o boi. Nesta carta vai a boiada.

    Abraços

    Antonio Maria

Santiago Cabral
Enviado por Santiago Cabral em 29/07/2009
Reeditado em 29/07/2009
Código do texto: T1725335
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