FIDES ET RATIO

Carta Encíclica -  JOÃO PAULO II
Sobre as  Relações entre Fé e Razão.

* Aqui, algumas considerações, fragmentos extraídos da íntegra da ref. encíclica

A FÉ E A RAZÃO (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.

O conhecimento que ela propõe ao homem não provém de uma reflexão sua, nem sequer da mais alta, mas de ter escolhido na fé da palavra de Deus. Na origem do nosso ser crente existe um encontro, único no seu gênero, que assinala a abertura de um mistério escondido durante tantos séculos (cf. I Cor 2, 7: Rom 16, 25,26), mas agora revelado; “Aprouve Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua verdade (cf Ef 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina.

O Eterno entra no tempo, o Tudo esconde-se no fragmento, Deus assume o rosto do homem. Onde poderia o homem procurar resposta para questões tão dramáticas como a dor, o sofrimento do inocente e a morte, a não ser pela luz que dimana do mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo?

Entretanto, não se pode esquecer que a Revelação permanece envolvida num mistério. Jesus, com toda a sua vida revela seguramente o rosto do Pai, porque ele veio para manifestar os segredos de Deus; e contudo, o conhecimento que possuímos daquele rosto, está marcado sempre pelo caráter parcial e limitado da nossa compreensão. Somente a fé permite entrar dentro do mistério, proporcionando uma sua compreensão coerente. [...] A liberdade não se realiza nas opções contra Deus. Na verdade, como poderia ser considerado um uso autêntico da liberdade, a recusa de se abrir àquilo que permite a realização de si mesmo? [...] Como justamente dizia São Tomás, “nada vês nem compreendes, mas te afirma a fé mais viva, para além das leis da Terra. Sob espécies diferentes, que não passam de sinais, é que está o dom de Deus.

O homem não pode prescindir, se quiser chegar a compreender o mistério da sua existência; mas, por outro lado, esse conhecimento apela constantemente para o mistério de Deus que a mente não consegue abarcar, mas apenas receber e acolher na fé.

[ ...] Ao homem ansioso de conhecer a verdade – se ainda é capaz de ver para além de si mesmo e levantar os olhos acima dos seus próprios projetos - lhe é concedida a possibilidade de recuperar a genuína relação com a sua vida, seguindo o caminho da verdade. Pode-se aplicar a essa situação as seguintes palavras do Deuteronômio: “ A lei que hoje te imponho não está acima das tuas forças nem fora do teu alcance. Não está no céu, para que digas: “ Quem subira por nós ao céu e nos irá buscar? Não está tão pouco do outro lado do mar, para que digas: “ Quem atravessará o mar para nos buscar e nos fazer ouvir para que observemos?” Não, ela está muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração e tu podes cumpri-la.” ( 30, 11-14).

[...] A mente do homem dispõe o seu caminho, mas é o Senhor que conduz os seus passos. É como se dissesse que o homem, pela luz da razão, pode reconhecer a sua estrada, mas percorrê-la de maneira decidida, sem obstáculos e até ao fim, ele só o consegue se, de ânimo reto, integrar a sua pesquisa no horizonte da fé. Por isso a razão e a fé não podem ser separadas sem fazer com que o homem perca a possibilidade de conhecer de modo adequado a si mesmo, o mundo e Deus.

Não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização. Aponta nessa direção o Livro dos provérbios, quando exclama: “A glória de Deus é encobrir as coisas e a glória dos reis é investigá-las” ( 25,2). Deus e o homem estão colocados em seu respectivo mundo, numa relação única. Em Deus reside a origem de tudo, nele se encerra a plenitude do mistério, e isso constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário, compete o dever de investigar a verdade com a razão, e nisto está a sua nobreza.

A partir dessa forma mais profunda de conhecimento, o Povo eleito compreendeu que a razão deve respeitar algumas regras fundamentais, para manifestar do melhor modo possível a própria natureza. A primeira regra é ter em conta que o conhecimento do homem é um caminho que não permite descanso; a segunda nasce da consciência de que não se pode percorrer tal caminho com o orgulho de quem pensa que tudo seja fruto de conquista pessoal; a terceira regra funda-se no “temor de Deus”, de quem a razão deve reconhecer tanto a transcendência soberana como o amor solícito no governo do mundo.

Quando o homem se afasta dessas regras, corre o risco de falimento e acaba por encontrar-se na condição de “ insensato”. Segundo a Bíblia, nessa insensatez encerra-se uma ameaça à vida. É que o insensato ilude-se pensando que conhece muitas coisas, mas, de fato, não é capaz de fixar o olhar nas realidades essenciais. E isso impede-lhe de pôr em ordem a sua mente (cf Pr 1, 17) e de assumir uma atitude correta para consigo mesmo e o ambiente circundante. Quando depois chega a afirmar que “Deus não existe” (cf Sl 14/13,1), isso revela, com absoluta clareza, quanto é deficiente o seu conhecimento e quão distante está da verdade plena a respeito das coisas, da sua origem e do seu destino.
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 12/07/2009
Reeditado em 12/07/2009
Código do texto: T1695406
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