retrato de meia estação
para quem vinha de fora era ela frágil. pequena e frágil. véus e flores miúdas. sem imprecisão alguma.
quem vê de dentro nem poesia ela era. era carne. do tempo em que a cor jorrava da pele em exercício último de ser e o avesso é o que se tem de melhor.
e por vezes nem carne. era febre. docemente febril, as pupilas dilatadas e as lágrimas diluídas em cantos e clamores. como algo que sai de dentro de si mesmo e se olha. tal um desencontro de si. o próprio deserto.
de areia também era ela. desse material fluido que corre e sangra ao sol. a invadir os poros os móveis e os ínfimos de tudo. a ampulheta contrária.
e ela era tão plana de si. que escorria. e suspirava vazio e lodo. ela corria e se deixava ficar. como se a morte fosse uma escolha. quisera ela então não ter força nem ter que insistir. e viver como se o quarto apertado fosse o mundo todo. e se a chuva nunca mais for embora. ela ficará ali. a olhar paredes e nódoas.
e ela que se preenchia de vazios tinha nas mãos um nome. um nome que jaz no tempo. infinito de silêncio e distância.
um anagrama o nome.
como o silêncio da flor pode ser. a brincadeira que não cessa o vento que não tece cortinas. letras e letras no papel inchado. os olhos.
de longe o nome dele era um silêncio. de dentro o que se partiu. nas horas perdidas e na água do banho. a levar essas esperas. e era ela. reentrâncias de si e espasmos. as mãos perdidas agora. em vão. o dia a cair as horas os retratos todos. e o frio.
ficou tão frio esse lugar. inquietante água sem porto. sem nunca chegar. sem raízes era. sem paradas ou abismos. não tinha asas. casa ou o que quer que olhe por ela.
serena ela sorveu o dia. embebedeou-se de chuvas. aninhou-se no vazio do travesseiro. pendurou a máscara de complacência com as roupas na parede. e dormiu pra si inverno.