CARTA SOBRE A SOLIDÃO
Amigo,
por que essa angústia? Não estamos apenas e tão-somente conosco mesmos no nascimento, travessia e partida? Nas nossas preces? Reflita e descobrirá que sim.
A solidão é intrínseca e inalienável ao homem.
A alma - sede dos afetos, sensações e estados - é solitária.
A borboleta quando poliniza flores o faz solitariamente.
O ruim é a gente descobrir isso tão lá (aqui) na frente, quase ao término da ponte, depois de ter amargado expectativas nada saudáveis ao longo da vida.
Já dizia minha avó que esperar pela festa entretém mais qua a dita cuja, que, via de regra, frustra quem por ela anseia.
Tivéssemos nos preparado desde a mais tenra mocidade...
Mas não.
Quisemos a todo custo preenchê-la, negá-la, matá-la, aceitando convites que não queríamos, visitando quem não gostávamos,
virando noites com amigos não tão amigos, a ouvir lorotas, casos maçantes, chatas conversas, que em nada nos acrescentavam. Ou assistindo a um filme cujo tema não atraia muito, frequentando vários cursos estrambóticos só com a intenção de conhecer pessoas e enturmar-se, engajando-se em alguma excursão rodoviária chinfrim só para rir de piadas manjadas, bebendo um pouco além do razoável para mostrar simpatia e falsa alegria, namorando alguém sem paixão. Alguns até se casaram e tiveram filhos visando a uma velhice com companhia.
Autoengodo.
Quem disse que algo na vida é seguro?
Tudo para fugir ao temido fantasma da era moderna: a solitude.
A família ensinou que estar ou ser só é doentio, horroroso.
A Sagrada Escritura conta que Deus criou a mulher porque "não era bom que o homem estivesse só".
Virá daí o generalizado temor?
Deus, por certo, não imaginava ser possível a solidão a dois. Ou existir uma família de quatro pessoas onde cada qual mal
conhece os outros três. Juntos, contudo desunidos e solitários, estranhos entre si.
Podemos não estar sós, querido amigo. Mas somos.
Ao cabo de tantos anos, percebo que, afinal, é muito bom estar comigo, com meus livros, com músicas que aprecio, revendo o que gosto, rasgando o que não me agrada, marcando ou desmarcando compromissos que na hora entendo bons ou penosos, livre de maquiagem social, do traje exigido, de visitas inoportunas, chatas,
compromissos meramente sociais, salamaleques, sorrisos brancos, cobranças e imposições.
Só mas com meus botões.
Só mas com minhas palavras.
Só quando quero estar só, por escolha e talvez por perceber com clareza como é a instituição família e suas relações afetivas.
Não se assuste, amigo.
A internet está aí para provar que são muitos os que vivem sós, muito mais do que se supunha há uma ou duas décadas.
Porém, não misture solidão com tristeza, depressão, rejeição.
Solidão é estar consigo por opção e estar com os outros somente quando se quer. Por prazer e não por medo.
Caberiam e caberão outras reflexões sobre o tema, pesquisas, mudança de modo de ver a questão.
Esta é apenas uma carta ligeira cuja finalidade é fazê-lo pensar melhor no estado em que se encontra... saber que se pode estar contente e em paz mesmo estando sozinho.