Escrever, de que adianta?

São os mesmos dias, as mesmas horas, tudo, tudo igual, exatamente a mesma sala, os mesmos quadros, ainda a tênue luz sobre os papéis em branco e as sombras projetadas sobre a mesa e o escuro através da janela aberta.

E são as mesmas palavras que se sucedem repetidas, atropelam-se, borbulhando como um vulcão, escorrem como lava que queima, as mesmas sempre, idênticas a si próprias!

Para que lançá-las, para quê? Inúteis, incapazes de dizer o que quero, distantes do que sinto, distantes do sumo que me preenche e a que nem o mundo, nem os outros, nem eu mesma!, necessitam.

Encho teus olhos de minhas palavras vãs, teus ouvidos cheios do som da minha voz que não escutas e brota de mim ainda assim, encho como se precisasse... um murmúrio, um suspiro, um grito, saem sozinhos antes que os deixe passar e cortam debilmente teu espaço...

Se enfim chegar meu silêncio, a mudez estática, se o rio de letras atrapalhadas que jorra incessante não correr, tudo continuará como sempre foi, apenas.

Talvez seja melhor, talvez seja mais sensato, talvez seja mais proveitoso ao mundo que cale o que ninguém compreende. Livrar-vos-ei a todos da incoerência de mim e de vós...

E não sentireis falta alguma. Esquecer-me-ão, todos esquecem, se acaso uma vez lembraram.

Se eu calar, tu me esquecerás. Mesmo que não cale, tu me esquecerás, porquanto afinal sequer se pode afirmar que realmente me lembras, mesmo que sinta eu a falta incerta de ti enquanto a ti, eu, talvez, seja apenas uma existência disforme e vaga como a de uma inatingível estrela e de que não se pode sentir falta...

Qual impacto posso eu causar sobre uma existência? Sinto por dizer agora de modo menos sutil... São elas, não te minto, são elas que correm...

Correm assim porque de mim para ti se sabem insuficientes, caro, porque não nos comunicamos apenas através delas, há tantos sons não lingüísticos, há milhares de outras expressões que se complementam harmoniosamente e ao contrário das palavras nos aproximam mais uns dos outros de um modo mais intenso e sublime...

A luz enfraquece sobre mim, meus olhos cansam, tombam as mãos, revolve-se o espírito inquieto a enxergar o imutável...

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 09/06/2009
Código do texto: T1639978
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