Feridas
Amado,
Quando você disse que iria me deixar, não sabe o quanto aquelas duras palavras me fizeram sofrer e chorar. Jurei pra mim mesma, jamais fazer por onde tudo aquilo, novamente escutar. Até pensei ter sido coisa de momento, e que foram expressões ditas sem pensar. Desde então, tenho feito da minha vida um constante relembrar. No quanto nos amávamos e éramos sinceros um com o outro. Sem nunca pensarmos na possibilidade de um dia vir a nos maltratar. Trocávamos gestos de carinho publicamente. Nunca procurando com o que nos desviar. Ríamos de nós mesmos. Num eterno brincar. Nada deixávamos se interpor ao nosso olhar. Colocávamos o nosso desejo de estarmos juntos, em primeiro lugar. Quando estávamos longe um do outro. Fazíamos o possível para nos comunicar. Até rádio-amador chegamos a usar. Tudo para não deixarmos de nossas vozes escutar. E poder com menos tristeza, uma semana ou até mesmo um mês distantes passar. Lembro que sua volta era motivo para comemorar. Sentíamos o alívio típico de sua chegada ao nosso lar-doce-lar. E trabalho por aqueles dias, nem pensar! Mesmo que fosse de fato inevitável, por causa de algum chamado especial. Sempre buscávamos uma maneira de nos recompensar. Saíamos com nossos amigos, a beber, comer, a sorrir e conversar. Levávamos nossos filhos pequenos. Mesmo isso não era para nós, algo difícil de conciliar. Hoje estão todos crescidos, não querem mais conosco andar. Você continua na mesma rotina a trabalhar. A distância entre nós a cada dia só parece aumentar. Quando nos falamos é com tempo cronometrado pra acabar, para que o custo das ligações telefônicas não venham no orçamento pesar. Quando você retorna para casa após longo tempo ausente ficar, nos cumprimentamos às vezes com um curto beijo ou até mesmo com um simples, olá. Você olha em volta como se algo buscasse achar.Tento em vão alcançar a sua mão, e um pouco da ternura que havia, encontrar. Só há em seu semblante, uma espécie de preocupação, tédio, sei lá. Se estamos em casa ou em qualquer outro lugar fica difícil um do outro se aproximar. Independente do motivo, é solitário o nosso estar. Quando saímos, você com seus passos largos, se adianta e lá na frente vai parar. Eu então recuo, e te deixo passar. É como se de alguma forma tentássemos um do outro nos livrar. E nos pomos no meio da multidão, sozinhos a vagar. Sei que ao ler estas palavras. Você vai como sempre, dizer que é tudo fantasia e coisa da minha cabeça vazia, que não tem nada mais para pensar. E alguma terapia, como da última vez, vai me aconselhar. Dirá que nada mudou, e que, eu é que não enxergo, ou não sei observar. Mas a ferida causada por tão inesperadas palavras, ainda dói e dificilmente irá cicatrizar. A menos que, da mesma boca que estas saíram, algo de bom venha brotar, e estes seus olhos que aprendi a admirar, venham o passado junto comigo contemplar. E em algum momento no tempo, tentar encontrar a sintonia por nós perdida, e esta novamente resgatar. Que como um curativo, ou um unguento para meu coração ferido, servirá. Por dizer-me tão somente, que nunca deixou de me amar. E tentarmos mais uma vez, nosso amor reavivar. E, jamais termos de ouvir um do outro, a ferina frase. Vou te deixar!