AMOR E POSTERIDADE

(para João Justiniano da Fonseca, sábio espírito)

Os festejos de Natal se foram, a euforia natalina perdeu fôlego, e nesta sintonia fico ruminando os nossos últimos papos pela NET.

Merece um forte repto a tua fala espontânea, a propósito de minha croniqueta "CONTAGEM REGRESSIVA".

Tu és um digno homem, posso afirmá-lo pelo tempo que nos conhecemos. São cerca de vinte e cinco anos. Convivência amena, vivificada. Plantinha regada. Rosas floridas. Tens demonstrado isto sobejamente.

Eu, de minha parte, tenho tentado. Mas faz pouco tempo que descobri que apontar aos amigos que podemos ser mais úteis, mais solidários é, também, tarefa de escritor, nestes tempos de tentativas de inclusão social.

Talvez, com os meus comentários, esteja a me punir pelo pouco compromisso quando mais novo, mais bonito, mais fornicador, mais esteta, mais... Por certo, menos escritor... Mas o que fazer?

Parece que a idade da Sabedoria vem chegando, com sua carga de culpas e de penitências a serem cumpridas, mesmo que não religiosamente, porque não é do meu feitio...

Percebo que o inconsciente coletivo está mais prenhe de humanidade, de solidarismo. Ou estou julgando apenas pelo que sinto em mim? Por certo que não!

Amigo João, escravo do pensar, tuas preocupações estão em mim florescidas, plantadas, como os cravos do Cristo.

Desde "GRILAGEM", "TERRA INUNDADA", ricas prosas de amor às terra e gente nordestinas, de tua voz tornada perene pelo milagre da letra de forma, mimosas publicações, aos poemas gauches, soturnos, boca no mundo, intertextualidades várias em tua apreciável obra, tudo está a demonstrar que a classe média – a que honrosamente pertencemos – vem descobrindo que a vertente social pode ajudar e até influenciar no mundo dos fatos, no real do viver. Tens cumprido a tua parte.

De certa feita, lá por 1979 / 80, criei o slogan, o lema, para o Movimento Espaço Poesia (MEP), composto pelos poetas Rossyr Berny, Carlos Aguiar, Ubiratan Porto, Carlos Roberto Soares, Gabriela Barquett e eu, para denunciarmos, em praça pública, uivando em Poesia, a falta de Liberdade existente no país.

Vivíamos os anos de chumbo, a "Redentora", de 1964. Nossas reles camisetas à guisa de bandeirolas panfletárias, lembrando os descamisados do tempo do Getúlio ou os farrapos de 35, continham nas costas, em letras de visível forma, "A POESIA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL". Estas camisetas, hoje no fundo dos armários, furadinhas e gastas, são troféus espirituais.

E continuo entendendo que há alguma verdade e a probabilidade de que a poesia tenha sido ferramental útil no plano da realidade, em todos os tempos, mesmo que nós, poetas, sejamos nada mais que os mesmos "bobos-da-corte" da Média Idade, a caricata figura dos menestréis de antanho, com os seus modestos alaúdes fazendo alaúzas de reino em reino, de província em província, cantando precária e amorosamente, o lirismo e as boas novas para o Povo ouvir, comentar e, talvez, agir atabalhoadamente.

Lembro a estudantina e o espetáculo da "pateada", o bater com os pés no chão em sinal de reprovação ou desagrado, nos anfiteatros, por ocasião da Semana da Arte Moderna de 22, inaugurando a fase popular do Movimento Modernista.

Mais duramente, o lema "Paz, Pão e Terra", da Revolução Russa de 1917, justificativas para a guerra de classes. Faces da mesma moeda?

Sempre seremos poucos, porque muitos sabem e poucos se arriscam ao cantar.

Porque o preço é alto e se encontra, no andar contestatório, portas com ferrolhos e trancas. Mas, nem por isso se perde a fleuma ou o vício de cantar.

Afinal, criar filhos, netos, bisnetos, fruir e legar livros, ativar e garimpar associativismos culturais, criando e fazendo verdade as Casas de Poetas, tudo neste teu caminhar para os 84 anos, é biografia para os comprometidos com o seu tempo, para com o seu Povo. Hosanas!

Que Deus te dê muito mais forças pra continuar a tua belíssima e valorosa obra humana e literária.

Há muito a andar e a fazer. Escolhemo-nos, pois caminhemos. O futuro nos espera. Os ávidos do novo têm de ser nós mesmos.

- Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/162222