Meu poeta irmão:

Meu poeta irmão:

Como é bom te falar, meu poeta, mesmo que seja por carta, mas afinal o que somos senão alquimistas das letras? Hoje voltei à lagoa que nos serviu de cenário para nossas peripécias da infância. Infância rica de liberdade, lirismo e luz, muita luz. Poeta,fomos previlegiados, sorteados para sermos parte viva dessa lagoa que tanto nos marcou.

Lembra? O final de ano se aproximava e com ele, o espetáculo dos ypês amarelos. Eles se vestiam, nos vestiam de dourado e só então davam início ao espetáculo. Suas flores diáfanas planavam docemente num balé de sonho e cor, voavam e revoavam em nossas cabeças, delizavam por sobre nossos corpos que se uniam a elas de maneira tão forte, que mal se sabia quem era a flor, nós ou elas. E, caiam, caiam tão doucemente que mal tocavam o chão, formando um extenso tapete amarelo-ouro. E...corríamos, corríamos no afã de aprisionar uma, duas, centenas de flores, e repetíamos a dança delas num planar, num deslizar surreal. Seu perfume nos inebriava e nos levava ao êxtase. Passados alguns dias, como num passe de mágica, tudo acabava...as flores, a dança, nós.

E o pé de tamarindo, lembra? era enorme, imponente, indestrutível. Sua copa imensa, nos protegia na nossa inocencia e nos nossos folguedos infantís. Suas folhas pequenas, frágeis, contrastavam com seu porte de gigante, e, balançavam ao sabor do vento. Do chão, exalava um cheiro ácido dos frutos caídos no chão, esmagados. E, nós nos arrriscávamos em come-los. Era tão bom...

Um dia, nosso tamarindo, de velho, tombou. Repentinamente nos vimos sem ele. Nossa/sua sombra já não existia. Foi nosso primeiro contato com a morte. Começamos desde já a entender e odiar a fragilidade da vida.

Decorreram décadas, a vida nos separou, agora volto à lagoa só. Um sentimento de solidão me engasga, sinto-me impotente, fragilizada pelas estradas percorridas, mas como numa mágica o passado volta de maneira forte. Te vejo a meu lado, somos, novamente, mesmo que só líricamente. Na lagoa, transeuntes passando num frenezi de idas e vindas, sobem e descem dos ônibus que descarregam de suas bundas uma fumaça mal cheirosa, maculando este santuário. As pessoas gritam, se agitam, numa babel de fazer inveja à original. Mas, felismente é tempo de oitís. E, a despeito de tudo e de todos os oitizeiros estão repletos de frutos dourados, que caem e se esparramam pelo chão. Seu cheiro forte me remete de maneira límpida á minha infância, povoada de cores, sabores e poeta. O passado se materializa, se faz presente, ignoro os passantes, recolho uma fruta gorda, e como...seu sabor forte é travoso e me lembra tudo, as flores, o tamarineiro, nossos babús cantantes, voce.

Poeta, onde o sossego de nossa lagoa, onde os pássaros, onde o som. Onde se perdeu tudo isso? Onde nos perdemos? Cade voce, cade eu?