Sobrado do Barão. Normanda 14 /04/2006. Lia de Sá Leitão

repostagem - 8 maio 2009

É, faz anos que não venho ao sobrado do Barão, hj, resolvi visitar a velha casa de fazenda, aquela que era a salvação das férias na infãncia. Parei o carro bem na frente do pelourinho ainda preservado, mesmo a contra gosto de toda a família, eu jurei um dia derrubar aquilo, mas, a prima que tomou conta da casa grande não permitia tocar em nada que deteriorasse os fatos Históricos. Adentrei na varanda em Arcos, que silêncio, Silêncio sem as matracas de Quinta Feira Santa, um silêncio tão pesado quanto a construção pintada em branco, aquele branco que alumia ao sol do meio dia, janelas e portas azuis,escadaria externa e corrimão azuis, construção enorme, aquele mundo parecia mesmo com o avô, grandão, vozeirão, devia ser medonho também, não acredito naquele que tem o poder sem usar mão de ferro. Mas ali nem os ossos do velho estavam mais na Capela, a metida sebe tudo da prima bastarda que toma conta da casa e por reconhecimento herdou umas terrinhas do velho engenho para sobreviver ao ócio do marido, um vadio que nunca plantou um pé de chuchu quem dirá um mar de cana. Sou suspeita para falar alguma coisa sobre essa gente, sempre fui contra aos sem defeitos, temos que assumir nossas faltar para obter perdão, não precisa esconder as boas venturas para ser bom. As más línguas são fáceis de identificar quem são. Voltando aos ossos do velhinho; finalmente foi retirado dali e depositado num mausoléu em mármore parecido com Carrara, sei que custou uma fortuna, sou meio tacanha para alguns desperdícios e ostentações, mesmo assim também contribui afinal seria a última morada do Barão, claro que reclamei horrores mas tirei da bolsa meu quinhão de neta. Arre que dificuldade pra escrever que os ossos do Barrão foram depositados num determinado cemitério e que reafirmo o quanto sou contraria a essa aatransferência de endereço. O avô devia estar na Capela da Casa Grande com seus Santos e Anjos.

Hoje bateu o saudosismo, acho que crise existencial, distanciamento familiar em plena quaresma, quiria ir também na casa de um primo anarquista preso no regime militar que optou em morar próximo para o gerenciamento do que se tornou a casa grande um hotel histórico, Quaresma, e para isso teria que passar em frente ao túmulo do Brarão, até rezei uma Ave Maria pelas almas dos que ele deve ter perturbado em vida, por causa do poder, da política, dos filhos, por causa de um monte de coisa que só os ricaços entendem e nunca se emendam, nunca tem limites ou olhares piedosos de cima para baixo.

Bom, hoje estou mais sensível, acredito mesmo que seja a Quaresma que me faz andar em volocidade pela estrada para a redidênciade de Quasresma.

Ao chegar lá, hum tomei um café de pilão senti-me no Período Colonial, comi um bolo tradicionalissimo de família, só os verdadeiros sabem como fazê-lo, quem vier ao Recife e não experimentar o bolo Souza Leão, pedeu um naco da culinária pernambucana recheado de cultura, mas não podia me prender ás guloseimas, tomei o primo pela mão e seguimos a Casa Grande, um reencontro com nossos fantasmas depois de anos de afastamento.

Olhei o marzão verde de cana antes moída nos engenhos do vô e agora todas de encomenda para a usina. Desci a capota do carro e corria na estrada de chão batido entre o canavial como quem pulava no lombo do cavalos marchadores perdidos na infância. Avistei ao longe a casa grande, oponente, linda, no alto da colina com sua Capela maravilhamente construida aos moldes Barroco.

A casa estava sofrendo mais uma transformação, agora estava sendo arrumada pela prima para tornar-se tamabém uma pousada cultural e ecológica, aproveitaram as casas das vilas, agora, sem os negros, as velhas benzedeiras e a molecada das duas ruas mantidas pelo avô até bem pouco tempo.

Quanta falta das negas cozinheiras, dos quitutes, eu sentia o cheiro de peixe ao coco preparado por Maria, agora mais um dos meus fantasmas orando de joelhos no último banco da Capela por mais que se busca-sse para o primeiro banco ela dizia com voz sumida, sai pra lá arteira, é o bando de Nhônhô e Sá Dona.

A prima nos recebeu fantasiada com uma roupa do século XVIII, a própria Senhora do Engenho, quase desmaio de tamanha tabaquice, mas mantive a postura, o palerma do marido também enfatiotado de Barão, até o chapéu velho estava na entrada num criado mudo e o carro de vovô estacionado na entrada principal todo polído, quantas mijadas dei naquele carro abandonado num curral velho quando brincavamos de viagem para São Paulo.

Estavam os figurantes do teatro num sorriso dos meanos sinceros. Caminhei até a Capela, os santos trazidos da Europa no ano de mil foram trocados pelos de gesso ou barro cozido de Tracunhaem. Olhei o madeiramento, os vasos, as peças em linho da avó, as camas intactas que tanto pulamos em cima antes da hora de dormir, as jóias todas produzidas em bijoterias muito bem elaboradas, na Biblioteca o brasão, o retrato da família, deu vontade de dar gargalhadas, as fotos até bonitinhas, sem contar uma foto da prima e do marido palerma como se fossem do tempo do bumbá.

Queria ver a Biblioteca do vô, ali sim era o meu reservado interesse, entre os muito livros de broxura em couro e pano estavam bem organizados e limpos, espadins, punhais, facas, facões com cabo de marfim, e o inseparável chicote de rabo de tatu, a coleção das armas de vovô pareciam saidas de fábrica entiquetadas e uma breve história, mentirosa é claro escrita pela prima, tyinha uma que dizia o arcabus foi da época da Guerra do Paraguai, onde o vô lutou com o Imperador, ai ai ai se o vô lutou ao lado de D. pedro II eu sou a neta menos múmia de todos os netos, pois sou a mais nova, e você leitor nem sonhe em imaginar minha idade, mas ainda falta algns anos para os cinqüenta.

Sempre gostei daquela sala, cheguei a sentir o cheiro do cachimbo, o velho pitava sentado na poltrona de couro vermelho, parecia ouvir e sua voz grave, venha aqui menina peralta, sente no colo do vô e me conte uma história da cidade. Ali, ninguém podia imaginar o quanto me sentia grande, importante. Enquanto nenhum neto mais velho se atrevia a falar, rir, danaçar ou fazer rosquinhas nos bigodes dele era eu quem enchia o avô dos beijos mais melecados, de nariz sempre escorrendo uma amigdalite que não me poupava a tosse até as lágrimas.

Abri outra porta e brinquei algumas notas ao piano, coisa que o velho sempre acompanahava num lararalá grosso e quase semitonado, e me falava aos ouvidos, eu canto lindo, para minha alma.

Ninguém podia imaginar a intimidade que eu tinha com aquele velho implicante que sempre que ralhava com todos em tons de brabeza, mas comigo piscava o olho e dizia, vc é minha princesa, dava um sorriso malvado de quem imagina um castigo crudelissimo e dizia, você, venha comigo para o Gabinete! Os primos achavam que eu sempre os salvava das broncas com o velho, mas eu adorava! Divirtia-me a valer no colo dele com as histórias de heróis mais fantasiosos que os fantasmas e zumbis que Joana, Maria e Conceição contavam na hora de fazer deitar para dormir, claro os fantasmas s[ó chegavam depois aada oração do Santo Anjo do Senhor.

Adorava quando ele começava com meu cavalo piriri, ao ficar exausto de tanto brincar comigo de pega pega e esconde esconde era hora das guloseimas, os bombons e chocolates que o vô tinha guardados para mim.

Ainda aguardo o Coelhinho de louça trazido da Inglaterra cheio de bombons, ele me disse em tons nobres de velho Barão, esse aqui é o seu, foi a filha da Rainha quem mandou dar para a neta mais arteira, e quando me deu dois beijinhos disse arteira e amada, essa neta era eu.

Hoje, diante de todo aquele patrimônio, muito bem zelado pela prima vestida aos moldes de lá vai História de botijas, sorri um sorriso que todos se espantaram, e Quaresma, questionou, onde está o velho? Sem querer eu disse: você também o vê sentado ali na varanda de braços abertos esperando por nós! O primo ficou sério, olhou de um lado e do outro e a cadeira da varanda balaçou sozinha ao sabor da brisa,e o canavial bailou, e o cheiro do cahimbo exalou de campo a campo, e eu entrei no carro e disse vou ver a tumba do Faraó na Cidade, dei partida no carro e sai agradecida pela prima e seu marido palerma de zelar tão bem pela casa dos avós.

Lia Lúcia de Sá Leitão
Enviado por Lia Lúcia de Sá Leitão em 08/05/2009
Código do texto: T1583306
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