AMAR: O DESAFIO DE SER GENTE

(preito de agradecimento à Ervateira Valério, de Arvorezinha, RS)

Ratifico, com esta, o nosso contato telefônico desta data, referente à possibilidade de doação de unidades de cuias plásticas promocionais dessa prestigiosa ervateira, com o objetivo de serem destinadas aos internos do Instituto Psiquiátrico Forense - IPF.

Informo que em tal estabelecimento prisional estão reclusas (na área física do estabelecimento e em celas), cerca de 200 (duzentas) pessoas distribuídas em vários pavilhões.

Estão lá por determinação judicial, em cumprimento de medida de segurança, protetiva da sociedade.

Muitos terão de ficar recolhidos pela vida em fora, pois para estes não há possibilidade de cura, ou de mínimo ajustamento à convivência que permita o seu retorno à vida social fora do estabelecimento, no conjunto da sociedade.

Formam uma comunidade especial e naturalmente necessitada.

Andréa Jerônimo, minha mulher, que é a postulante originária, está estagiando em tal hospital psiquiátrico, via de conseqüência de seu curso de TÉCNICA DE ENFERMAGEM, ministrado pela Associação Cristã de Moços - ACM.

Ela também cursa o curso superior de Radiologia Médica, e está vivenciando a triste realidade social de nossa população pobre: carente de tudo, mormente na área da saúde.

Quer, com este pedido, ajudar a estes desafortunados, auxiliando também o trabalho da administração pública.

Quase todos os reclusos utilizam, a guisa de "cuias" o fundo de uma garrafa tipo "Pet", de dois litros, com pouquíssima erva-mate, – devido à precariedade de poder aquisitivo e desassistência patrimonial familiar – onde colocam apreciável quantidade de água, provinda de uma garrafa plástica de refrigerante de tamanho médio. Sempre água morna, porque não podem lidar com água quente.

Embalagens de vidro, o que permitiria alguma higiene, nem pensar. Podem se ferir ou atentar contra outrem.

E por ali ficam, de cócoras ou sentados no chão, em grupos espalhados pelo pátio.

Sorvem, entre o ócio, a falta de expectativas de futuro, a tradicional bebida característica dos habitantes do Pampa, e, em particular, dos gaúchos. Em quase todos se percebe o ar matuto dos provenientes do campo.

Ainda mais agora, que o hábito indígena ancestral de sorver o mate chimarrão se espalhou a todos os lugares do Sul do Brasil, tornando-se quase uma necessidade fundamental dos campesinos e citadinos. Incorporou-se como fora refeição. Dizem que é capaz de enganar a fome.

O mate-chimarrão acompanha as levas de emigrantes gaúchos por todo o território nacional. Popularizou-se. Este é um fato observável desde a década de sessenta. Há cerca de cinqüenta anos, se tanto.

Por lhes faltar a lucidez dos portadores de mentalidade dentro dos parâmetros da normalidade, a conversa de nossos curiosos personagens é pouco observável. Alguns grunhidos, pigarros, cusparadas e tosses roucas perfazem a grotesca cena.

Enfiam uma bomba de bambu naquela água morna onde sobrenadam alguns pauzinhos de erva-mate e chupam o líquido até o ronco final que indica o término do mate.

A aparência do líquido que tomam lembra as sobras do mate lavado que se despeja para os bichos, ou relembram o velho costume de adubar a plantinha em roda das casas, no interior ou nos rincões suburbanos das cidades, onde se arrancham os migrantes do êxodo rural e vivem a dificuldade de sobreviver e de criar filhos.

Quase sempre são tabagistas. Enfiam beiços a dentro um “cigarrinho de carregá pela boca”, também chamado de “pichuá” pela gente campechana. Só que, pela falta de papel tipo “Colomy” e de dinheiro, enrolam em folhas papel comum o fumo tirado de baganas de cigarro colhidas a esmo.

E assim permanecem os reclusos do hospital psiquiátrico o dia inteiro, por vezes, afora os trabalhos que lhe são destinados pela administração penitenciária, e algum lazer.

Dá uma tristeza enorme em quem observa com olhos argutos: ali está o mais fundo dos excluídos. O homem bruto, remanescente dos macacos, na ancestralidade darwiniana.

Só nos resta clamar por Deus e sua onisciência benevolente...

Consulto, também, se não for pedir demais, se haveria a possibilidade de nos conseguir alguns fardos de erva-mate para serem distribuídos aos ditos excluídos sociais, a juízo dos técnicos e administradores de tal Casa.

Acaso queiram informações sobre a nossa pessoa, peço se dirigirem para o endereço eletrônico constante ao pé desta.

A remessa, acaso venha a Empresa a acatar nosso pedido, deverá ser feita para o nosso endereço residencial, pedindo que nos seja informada a data da chegada, para que nos preparemos para receber a doação.

Antecipada e penhoradamente gratos.

- Do livro CONFESSIONÁRIO - Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/157268