Carta de uma defunta adolescente
Agora encontro-me aqui inerte ,enquanto meu corpo se decompõe seguindo as leis da natureza.Querido primo Otávio, o cemitério não é lá essas coisas,principalmente quando chegam aqueles góticos,um povo estranho que parece morto em vida,com aquelas roupas pretas,um ar melancólico,tratam a morte de maneira banal,e dela nada compreendem,apenas figem entender os mistérios desse desligamento.
Morrer tem lá suas partes boas ,sabe,primo?Consegui me elevar,me purificar,não tenho mais que me preocupar com as provas da faculdade,não preciso mais dar satisfação ao papai por pegar o carro emprestado,sem que ele soubesse,é claro !Também não preciso mais pedir à mamãe pra levar o namorado em casa,nem pedir para usar as roupas e o telefone da minha irmã.
Ah Otávio , mas se tu soubesses que sinto saudades dessa época !das festinhas nas casas dos vizinhos,lembra o quanto nos divertíamos no seu aniversário!Inesquecível.Sinto também falta dos namoros,até das broncas que a mamãe me dava , por exemplo quando levei o Zeca lá em casa pra ele durmir lá.Primo, morto é tão sem graça que nem namorar namora!Algo normal pra quem tinha 16 anos.
O cemitério apesar de sua triste atmosfera,é bem cuidado,as lápides em cor escura possuem um estilo clássico,coisa que eu nunca tinha reparado em vida.A grama está sempre verdinhae bem aparada,aqui temos um legar decente para o "descanso eterno".
Gosto de visitar o Zeca,meu namorado em vida, e a Lô minha melhor amiga durante minha existência.Apesar de amar o Zeca, Lô sempre foi uma amiga leal a mim.
Recordo-me do dia de minha morte,naquela noite chuvosa.Acabávamos de sair de uma festa,estávamos os três felizes e sóbrios.O Zeca na época com 18 anos,não dirigia em alta velocidade,mas nosso veículo foi atingido por outro carro,no qual havia um motorista bêbado.Apenas eu morri, o Zeca e a Lô tiveram ferimentos leves.
Agradeço os esforços que todos os meus familiares fizeram,para que meu velório fosse uma cerimônia honrosa.No meu velório compareceram todos os tipos de pessoas,até mesmo a tia Santinha que , com quase 100 anos de idade, está quase "batendo as botas"...
Torço para que o romance entre a Lô e o Zeca dê certo,e ela possa ajudá-lo a se libertar da culpa que sente por estar dirigindo o carro no momento do acidente.
Não me despeço , pelo simples fato de que a vida é eternae um dia nos encontraremos.