CARTA A UM IMAGINÁRIO DESTINATÁRIO
...olha, eu quero me confidenciar contigo, falar de coisas que as pessoas em suas pressas não me ouvem... mas que tu, que não existe,portanto, tens todo o tempo do mundo e a paciência que só mesmos os pacientes teriam comigo...
...apraz-me descrever imagens, algo insólito e difícil só mesmo em metáforas, ou seja, comparações, me faço entender... é que a linguagem escasseia do universo que quero apreender no restrito alfabeto que disponho...
...feliz é a possibilidade da escrita, pelo menos fugimos aos escárnios de loucos, os que falam sozinhos por falta de interlocutores... quem haveria de ouvir relatos sem pés e nem cabeças, entrecortados por pausas e reticências num retalho/mosaico de entrecortadas pausas ?...
...me cansa as tardes, melancolias, me salva os dias pelas manhãs promissoras e me rendem as noites no torpor dos sonos ou na inquietude das insônias...
...não quero somar lágrimas ao mar melancólico e estéril dos tristes e deprimidos, creio que neste sentido seja até otimista, o que me angustia é esta rebeldia de não ceder aos fatos tampouco saborear as frases feitas de eternos incentivos viver é remar, indiscutível, rememos, rememos...
....algo há a mais que nos distinga da animal condição de sobrevivência nos alimentarmos,procriarmos, defecarmos e esperarmos as coisas em calmarias, ou ainda, amontoarmos moedas na esperança de mansa velhice...
...mas ainda me entontece tanta certeza, tantos manuais e filosofias,
tantas crendices, resta-me, para ser ouvido, tentar ser lido, em sínteses palavras...
...não lhe tomei o seu tempo, aturdido como todos, nos torvelinhos de suas rotinas, como cães correndo atrás do próprio rabo, elencando fetiches para dar rumo e sentido...
afinal, você é apenas um pretexto para não me chamarem de louco que fala sozinho...