SENTIMENTO: A ILUSÃO NA POESIA

(para Sunny Lóra, em Vitória/ES)

Ó amadinha, apenas procuro retribuir o carinho com que sou tratado.

Estamos todos aprendendo. Aliás, a gente aprende até na hora da despedida deste plano terreno. No entanto, para o escritor, é necessário ter isto sempre em conta, com perseverança.

Ler, ler, ler e mais ler é o desafio. Congeminar aquilo que é pensado com o que é lido, ruminado.

E mais: é importante perceber e apreender o que está no inconsciente coletivo, no espiritual dos pensadores em determinado momento, em determinada época. Algumas destas coisas são verdadeiros modismos, nem sempre permanecem.

Ninguém nasce sabendo escrever. Isto é fruto da arte, da técnica, do talento a desenvolver.

Não importa se falas ou não de sentimentos, o importante é que tenhas dedicação e que não venhas a acreditar em inspiração como produto final, e, sim, no segundo momento de criação, de inventiva, a que os escritores experimentados chamam de TRANSPIRAÇÃO.

A espontaneidade do fluir das idéias representa, no máximo, dez por cento do produto final, da matéria lavrada, criada.

No entanto, a catarse emocional a que não gosto de chamar “inspiração” é necessária para que a poesia se materialize no poema. É neste momento que se desencadeia o fogo, a centelha, asas para voar, bólido para navegar no tapete das metáforas, travestindo de signos, de códigos, de palavras, esta matéria candente.

Esta estória de 'sentimentos' é coisa para o leitor, aquele que se desatavia com a proposta feita pelo bom escritor, em prosa ou verso.

Fico com o escritor português Fernando Pessoa, o grande poeta da língua portuguesa contemporânea, falecido em 1935: o importante, em poesia, é escrever com inteligência.

Os autores novos e novatos, ainda diletantes, boquiabertos com o mistério da criação, confundem aquilo que é a tradução dos sentimentos com o “balde despejado dos sentimentos”.

ESCREVER, fazer literatura, não é sentimento, é INTELIGÊNCIA usada, bem usada, para atingir o sentimento... DOS OUTROS.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/155272