CUIDE DE SEU POVO, MEU PAI
Esta carta que vou transcrever,é do livro de autória do escritor,LAÉRCIO SOUTO MAIOR.Título do livro:SÃO OS NORDESTINOS UMA MINORIA RACIAL? Página-141 e 142."Da cidade de Guarulho, São Paulo, recebi no início de 1982, uma carta de minha sobrinha Silvana Gonçalves Cunha que, sabedora da elaboração e temática deste livro,enviou a seguinte contribuição que transcreverei na íntegra:"Prezado tio,estou enviando uma carta de uma nordestina que tirei da seção de cartas de um jornal paulista, achei importante e resolvi mandar para o senhor: "Pai. Hoje eu me dispus a conversar com você.Já passa da meia-noite e o sono não chega. Não me esqueci, meu pai, daquele seu rosto triste no dia da minha partida.Com todos esses anos de ausência, nada em mim mudou. Só o brilho dos meus olhos é que se foram, substituidos por um olhar fúnebre. Os dissabores da cidade grande fizerem com que eu me tornasse uma pessoa amarga, descrente e salitária. Quero, nesse exato momento, agradecer a formação que me dispensou, porque se eu ainda não a tivesse, talvez teria que seguir o exemplo de muitas"mocinhas". Não pense você, meu pai, que nosso Nordeste que abandonei na ilusão de conseguir, nesta cidade, um salário melhor, é seco e pobre. A seca para aqueles que entendem, é extrema nas grandes cidades, devido a uma individualidade permanente; cada um só pensa em si e custa muito caro a idéia de repartir o pão, quanto mais o cobertor.
Obrigado, meu pai, por ter-me ensinado a ajudar o próximo sem nada esperar em troca, pois aqui até uma informação tem que ser paga. Agradeço-lhe tambem por me colocar no mundo, porem, se eu não existisse, você não poderia saber o que se passa em outros Estados com seus semelhante. De certa forma não me arrependo da besteira que fiz em ter vindo para cá, a essa selva de pedras. E as lágrimas que aqui derramei, serviram ou ainda servam para lavar a alma de criaturas sujas que deveriam estar num chiqueiro comendo farelos e suas próprias fezes.
Estou me referindo especialmente aos meus últimos patrões, coordenadoras e chefinhas de meia tijela. Não deixe, meu pai querido, aqueles ou aquelas, seguirem o meu exemplo, poderão correr o risco de encher um poço de lágrimas, já que os porcos decidiram vestir calças e sais misturando-se a pessoas humildes, dignas e indefesas. Cuide de seu povo, meu pai. Dê carinho aos filhos que lhe restam.Ame a todos sem distinção e, ao invés de luxo, ofereça amor, porque eu, meu pai, não mais faço parte da família,desde que comi de outras farinhas.
Adeus, papai!
Aparecida Dias.