Tudo bem meu amor, está tudo bem
Eu vou permanecer aqui no meu canto roído da cama. Ficarei imune a mim mesma, moldando no colchão o formato do meu corpo, enquanto espero por ti, completamente sólida. Permanecerei muda e estática, sem expressão de desapreço, sem desgosto pela vida ou pela morte, apenas esperando.
Tudo bem meu amor, está tudo bem. Não vou confundir a generosidade com algo maior, pois generosidade é apenas o agradecimento pela minha existência.
Meu coração é frágil e temperadamente necessitado, mas esforça-se para não ver as coisas que mais deseja; esforça-se para não fazer de si mesmo a sua própria armadilha, que é um charco de lágrimas dolorosas e uma angústia silenciosa de apenas aceitar generosidade. Apenas uma generosidade mansa e cálida, que resume a alegria dos meus dias no esticar dos seus lábios, desenhando um sorriso que é típico de você.
Dormirei mansa, sóbria, estagnada, esquecendo-me completamente de que é o ar que me dá vida; queimando meus ombros no roçar e rolar interminável de uma noite mal dormida, embalada por lembranças de um tempo que nunca foi (mas bem que poderia ter sido), e por esperanças que nunca serão.
O vazio imenso que só se preenche com a minha teimosia de não enxergar a parede fria que está encostada em mim. Há um abismo cavado bem fundo no meu peito, onde de um lado está você, cantarolando com seus olhos esmeralda e sorrindo com sua gratidão, e eu aqui do outro, lutando pra te alcançar. Mas querido, não há abismo. Você está bem do meu lado.
Tudo bem por agora, eu vou ter paciência. Deixarei de alimentar uma relação inexistente; que quando está perto de mim eu fico boba, te provoco com as nossas maiores disparidades, tento te afastar pra bem longe, só pra ver se te pego desprevenido do outro lado da vida.
Sim meu amor, permanecerei aqui no meu canto roído do leito. Eternamente enferma de carinho, o leito roído, roído por mim mesma, nessa espera desatinada, onde eu sou a cupim que destrói o nosso futuro berço matrimonial. Exageradamente.
Na minha expressão eu sou pra você a sua pintura parnasiana. Serei um vaso azul celeste, como o céu, que te faz sempre imaginar a vida como algo bom, ou uma toalha branca de linho, toda macia repousada no armário do banheiro. Posso bem ser um canapé amarelo, onde você se senta confortável, e muito me agrada isso. Ou serei uma flor, flor vermelha, que traz alegria. Estarei sempre alegre com minhas pétalas vivas. Só até o momento em que me atiras no rio, com um gesto vívido de liberdade: "vai minha flor, desce o rio porque logo após terás o mar só pra ti". Mas eu quero ficar meu bem, eu quero ficar aqui, murchar nas tuas mãos, e ser enterrada por ti.
Eu serei também apaixonada, definitivamente agradável à sua generosidade; ao seu carinho, que me conduziu a esse encantamento. Poderia ao menos não ser tão adorável aos meus olhos, ser um pouco mal educado e exarcebado. Faltar com gentilezas aqui e ali. Sinto muito meu amor, eu sinto muito.
Caí na minha própria armadilha novamente, caí na tentação de amar o que é sutil e confortável ao meu coração. Tudo bem meu amor, está tudo bem. Eu aguardo com a conservação dessa bondade, o prato de alfaces que me falta.