Que a Sua justiça se faça, grandiosa.
Maceió, 24 de fevereiro de 2009.
Deus,
Atrevo-me a escrever para o senhor, por que realmente não acho que alguém mais me ouviria ou poderia socorrer.
Tantos já me disseram que o senhor é surdo e analfabeto; que tem um duro coração de ouro, que brilha mas não se comove; que o senhor é de natureza desconhecida, que não se importa com os humanos, que para chegar ao senhor e ser ouvido é preciso se reunir em igrejas e gritar, se esgoelar, clamar bem alto.
Eu não acho isso. Tendo sido o senhor que nos criou humanos, temos a sua natureza e o senhor tem a nossa. O que difere é o grau de perfeição dessa mesma natureza que compartilhamos. Sou sua filha.
Nem precisa me apresentar muito, o senhor sabe bem quem eu sou. Conhece meus defeitos e falhas com uma precisão assombrosa, por que eles estão todos gravados em mim e não há como esconder. Conhece também minhas qualidades, de um modo que nem eu mesma conheço, por que custo a reconhecê-las em meio aos defeitos com que vivem misturadas. As qualidades são amantes dos defeitos, vivem numa promiscuidade tal dentro da minha alma que só mesmo o senhor para diferenciá-las.
Eu teria umas coisas a pedir. Não é nada demais, nem grande coisa. Não é dinheiro, por que o senhor deu a todo mundo uma chance bem extensa de ganhar e ainda faz o favor de desbaratar, quando sabe que ele nos vai deixar perder irremediavelmente. Taí mesmo o tal do Sérgio Naia, talvez agora ele se toque que nem adiantou deixar aquele prédio cair na cabeça dos moradores...pra onde ele vai não se leva dinheiro, disso eu sei muito bem. Paciência, ele é capaz de aprender, não estou julgando. Afinal, no lugar dele o que eu faria? Não sei, pois nunca ocupei tal posição.
Não é beleza, por que nem acho que o senhor se ligue nisso. Todo mundo é feio, todo mundo é bonito, todo mundo é igual. Humanos, só isso. E a beleza está nos olhos, de quem vê. Para cegos a beleza é um som.
Não é saúde, por que a minha é de ferro. Diabética, obesa e fumante, sedentária e ociosa; e mesmo assim esse corpo resiste, sem grandes estardalhaços. Não tenho compromissos com médicos, quando me levarem vai ser de maca e com sirene, em grande estilo. Não vou caçar em consultórios a doença que vem andando, faceira, com suas próprias pernas. Ela que me caçe e derrube, vamos brigar um bocado, nem duvide.
O que realmente quero, e que levei esse tempão enrolando para pedir é justiça. Quero que a sua justiça se faça, grandiosa, nesses casos em que eu, sozinha, não posso me defender.
Me defenda nas palavras duras e injustas, que bocas habituadas a escarnecer proferem. Me defenda das línguas ferinas, que cravam punhais no meu coração. Me defenda quando eu não puder dizer nada, sem gritar inapelavelmente a minha dor. Me defenda das idéias torpes, das mentes fracas, das pessoas de alma negra.
Me defenda das almas sebosas que, esquecendo que partilham da natureza grandiosa do seu ser, rastejam num lamaçal de maldade. Me defenda dos novos Lúciferes; dos anjos que, criados para brilharem, cobrem-se, eles mesmos, de escuridão e trevas.
Por que eu sei que não posso deles me livrar, desde que partilhamos do ser comum da humanidade e então apelo ao senhor, que o faça por mim, sua filha.
Não sei se mereço, mas a sua bondade e seu amor me fazem merecer, a esse pedido de justiça.
E eu te agradeço, pelo muito que tenho e me foi dado sem luta, e pelo pouco que conquistei por mim mesma com seu auxílio. E te agradeço por me dar seu endereço, receber minha carta e atender a meu audacioso pedido.
Tenho pelo senhor um grande amor, embora eu saiba que todo amor humano é meio capenga. Mas, se eu sei disso o senhor também sabe e se aceita esse meu amor é que me conhece.
Tua filha.