TRANSTORNO
Procurava algumas coisas, na pasta da confusão. Encontrei uma porção de textos deixados pelo meio. Pedaços de um lamento maior, eternamente inacabado, provocado pelo afastamento dolorido de alguém distante que está prisioneiro de si mesmo ( será que não estamos todos? ), vivendo a vida que tem de viver duma forma bipolar.
Ao que alguns chamariam transtorno, eu chamo saudade. Transcrevo o que juntei:
“ Sabe que escuto tua voz !
Não apenas aqueles gritos ocasionais,
do náufrago que consegue retesar o corpo
e, nas pontas dos pés, aflora a superfície,
numa ânsia vital por ar fresco.
Mas também aquela outra voz, em tons mais roucos,
vinda de tantas raízes grossas e antigas
que entrecruzamos nos segredos das profundidades.
Sinto o esforço que fazem para sugarem até á tona
aquela energia com que sempre perseguimos sonhos
e nos lançamos em aventuras maiores que o mundo,
em fulgurantes vôos de tapete mágico.
Leio como recados as mais comuns lembranças
deixadas nos pequenos nichos das memórias,
e com elas componho uma nova paisagem
por onde talvez possamos passear novamente,
tão livres de problemas e tão imortais
como os sonhos de uma criança feliz.
E até que alcancemos esses horizontes,
até que novos passeios aconteçam em novos passos,
esperarei nas memórias dessas noites antigas,
na meia luz desses bares por onde tanto andamos,
farejando detalhes em todos os recantos á nossa frente,
perdidos nas risadas inconseqüentes da amizade.
Esperarei até que encontres uma maneira
de contornar essas muralhas de silêncio algoz,
ou de romper o seu cerco de pedra alvar
e criar uma brecha por onde a vida te chegue,
e por onde te derrames e expandas imensamente,
por onde te reclames e assumas o tanto mais que és,
enquanto sorves da vida, em grandes haustos,
o fôlego para lançares ao mundo o teu canto.
Recupera-te e ajuda-me a reconstruir as pontes
derrubadas pelas tempestades inevitáveis,
para que recebas as minhas mensagens
e me digas que as lês e escutas bem alto.
Para que saiba que te atingem depressa,
sem as morosidades dos textos em papel,
nem extravios de correios ou enganos.
Para que, pelo menos, estejamos rápido
onde não podemos estar perto...”
( Para M, tão longe, com amizade e carinho.
Nunca se consegue dizer tudo mas, por vezes, fica-se demasiado longe disso...)
Fev 2009