INESPERANÇA
Chegaste assim, inesperado e manso. No fundo de minhas pupilas fatigadas de tanto mirar o céu, ao léu vi o quão lindo te havias tornado em todos os anos esquecidos de meus dias contados.
Fazer o que de mim?, calada e frágil me fui dobrando às reverências merecidas a todo o silêncio das horas indecisas. Quantos invernos aquecidos pelas reminicências, que ao fim da sedução cruenta, me cantaste aos ouvidos em chamas. Chamas ainda a mim: curvada, sombria e triste. Clamas a que retome a essência gasta e farta de tanto esperar o nada.
És parte de um ontem exigente. Eu era vigor, e tu, juventude. Hoje és frescor, e eu, uma vela que se apaga ardente. Em teus braços tesos e fortes. Em tuas mandíbulas dominantes. Em tua voz altissonante e firme ... fascinante. Agora és homem e eu, ainda mulher, precariamente fêmea.
Fazer o que de ti?, inesperado e rompante? Rompes os véus de meus delírios de grandeza e mesmo insanos, resistentes, insistentes. Onde acolher-te?, se apenas meus braços estão erguidos a espreitar que venhas? E ... esperando, altero todo o vislumbre de um reduto em claustos desvelado.
Quero ainda acolher-te em um lugar só meu; meu peito, ouvinte ... de um pulsar distante. Ouvinte de teus contos agravantes ... de teus erros ... viagens, bobagens, bagagens - na expressão impecável da poetisa Alana Alencar. Aqui estou toda ... tonta.
Não vês, amado, que o meu corpo se esvai, fragilizado e torpe? Que a maturidade alcança a essência, ao ponto de tomá-la inteira e, ao reduzí-la, impor-me o porte de uma adolescência minguante? Que a delicadeza dos anos implacáveis induz à trânsfuga luz de um soluço impuro?
Mas ainda que eu diga, em tom galante, que te quero e desejo ... que novidade há nisso? Poderosa, dizes tu ... que tive a quem quiz. Sim, é talvez exato. Mas olha bem e vê que a ti tive, posto que a ti desejei ... mas fui fraca o bastante para não te ter tido como almejara. Franca o bastante para que nem percebesses que a mim tiveste calada, resignada por não ter-te tido bastante confidente. Inexperiente restei de ternuras e murmúrios.
Serenidade pois, menino lindo, pois que já destilou Waly Salomão seu Mal Secreto, em grito indiscreto à imensidão de seu verso:
"...massacro meu medo
mascaro minha dor
já sei sofrer
não preciso de gente que me oriente
se você me pergunta: 'como vai'?
respondo sempre igual: 'tudo legal'
mas quando você vai embora
movo meu rosto do espelho
minha alma chora
vejo o Rio de Janeiro..."
E ainda preciso de ti, silente, a ouvir-me o último suspiro. Agora, respiro, arranco a alma do mar revolto em que a mergulhaste no abismo com, apenas, teu olhar retinto. E estendo minha perna à tua mão voraz. Rapaz ... demora nada e estarei vibrante, valente a enfrentar, elegante, a minha queda em riste. Persiste ...
A defesa de um lugar ao sol, em dó, em ré. Retaguarda das meias verdades, coisas que não quiz escutar de ti. A batalha encarniçada em que deveria ouvir-te atenta. Nem que para só saborear tua voz arrogante e, enternecida, teu soluço de menino perdido e quieto. Tenho cá ainda as mãos a desvanecer tua presença clara.
Mas vê: aclara o horizonte um luar inútil. Levanta a fútil manhã uma saudade vã. E sigo feliz em meio aos destroços daquela alegria arfante.