CARTAS QUE NÃO MANDEI (1 DE 3)
CARTAS QUE NÃO MANDEI
(Série: 1 de 3)
DR..TOLENTINO
Abstraí-me do movimento da sala. Queria ficar sozinha, em silêncio, olhos semicerrados, concatenando idéias...
Cabelos já brancos, faces marcadas pelo tempo, mas a mocidade emergindo do meu íntimo, sonhando, a apontar-me caminhos à frente que não caminhei , marcando passos na sombra de pisadas que não pisei...
“Primeira estrela que vejo, dá-me tudo que desejo!...” – eu falei primeiro! (sou dona da estrela que você me deu naquela tarde...
-Você está vendo aquela estrela linda, brilhando e piscando para nós? pois ela é sua - e olhando para as florzinhas à nossa frente, você colheu meus pensamentos , coroando-me os cabelos dourados pelo sol . Sentados sob nossa velha árvore, eu sorria, você sorria e nossos pensamentos voavam leves, soltos, a flutuar, simples e calmos como o regato que corria devagar....
Infância feliz no sítio do vovô, pés descalços, e os dias monótonos para a gente grande da fazenda, com a calma dos bois pastando, mas pequenos para tanta brincadeira, tanto encantamento, tanta alegria!
O vento ia semeando flores à beira dos caminhos, sementes que se transformavam em árvores e nem percebíamos aquele início de vida, tão felizes eram nossos risos misturados ao canto dos passarinhos. Gôsto de goiabada com queijo, leite fresco , broa de fubá e os sonhos embalados para quando crescêssemos...
Depois, sua partida para a cidade, estudar para ser doutor como sonhava seu pai, e um dia voltar e conversarmos com a nossa estrela que deveria estar comigo à sua espera, - e quem sabe até falarmos de amor, “felizes para sempre” como no final das histórias que eu gostava de ler.
Fiquei olhando o caminho até que sua imagem se tornasse apenas mancha branca , distante, a acenar me seu adeus, lá na curva da estrada...
. . .
Retorno à sala, fixando lá fora a luz que brilha através do rendilhado das árvores no anoitecer, e um suspiro terno me escapa e vai de leve endereçado a você.
CAROLINA