Palavras são Sementes
"Considero as Cartas documentos de imenso valor histórico, arqueológico e social. Nós, somos Apóstolos da Arte que trocam entre si suas Epístolas."
I Epístola de Shimada à Calixto
Amigo Calixto... OU amigo "Eu"... (esse apelido vai pegar)
Perdi a conta de quantas folhas de papel lotaram minha lixeira... Tenho tanto pra escrever, quero escrever sobre tudo e ao mesmo tempo não consigo escrever sobre nada... Você me pediu para continuar, escrever e publicar... Não podia esperar outra coisa de sua parte, pois desde o começo desta aventura insana você se faz presente me apoiando assim como nosso amigo Henri...
Suas reflexões diante dos meus textos me deixam sorridente e feliz, não pela positividade nas palavras, mas por ser evidente de que vemos o mundo do mesmo modo. Você compreende o que digo... E vindo de você, esse profissional das artes, tão completo e repleto, me faz desejar melhorar, ir além, me superar, para ser digna de suas palavras.
Mas eis que estou aqui... Desinteressada em escrever... Pois me peguei refletindo sobre nossa responsabilidade neste mundo. Lembrei-me de uma história que minha professora de música contou... Sua vizinha acreditava que ela nada fazia da vida por ser 'apenas' maestrina... Ficou chocada em saber que ela dava aulas de música e com isso acrescenta muito a sua renda. A vizinha acreditava que músicos, poetas e escritores são vagabundos...
Não há como negar: nascemos com a Arte em nossas veias! E mal sabem as pessoas a influência, que deveria ser positiva, que a Arte tem... E esse desejo vulgar por fama, glória, reconhecimento, dinheiro faz corações carentes de afeto e atenção, desejar os brilhos da ribalta e seus holofotes para conseguirem de algum modo ser importantes, banalizando a Arte e fazendo com que ela perca seu devido valor e nós sejamos vistos como meros vagabundos.
Foi-se o tempo em que a Arte influenciava positivamente a sociedade. Foi-se o tempo que o artista era visto como um tipo de sábio e suas palavras valiam ouro bruto... Hoje, qualquer porcaria que mantém a sociedade condicionada em sua cegueira, vende e se vende dá lucro e se dá lucro promove-se...
Ninguém quer nenhum tipo de verdade que se escancara todos os dias diante de nós... Querem fugir covardes de si mesmos e da realidade, escondendo-se dentro de seus reinos interiores da fantasia onde, pelo menos lá, há um único trono e um único rei.
Enquanto nós tornamos nossa vida um constante laboratório onde precisamos nos expor, nos permitir, ousar, vivenciar de tudo, nos submeter, para saber do que falamos, pois assumimos o compromisso. Acham que o artista vive de dias gloriosos regados em champanhe... Mal sabem quantas necessidades precisamos passar, quantas pedras nos atiram, e de quantas coisas temos que nos privar para dar nossa contribuição pela Arte. Nós temos que encarar todo santo dia, tudo aquilo que a maioria foge para sermos nós os arautos da realidade infame!
A hipocrisia toma uma dimensão absurda... Cinco minutos diante de um noticiário de tv são suficientes para ver que a humanidade caminha por uma estrada sem volta... Eu fico me perguntando o que esta acontecendo... No fundo sei...
As pessoas que se escondem da realidade comprovam com sua postura diante do outro toda sua fragilidade, fraqueza, insegurança, falso moralismo, hipocrisia e engano... Vestem-se de uma máscara e acreditam verdadeiramente ser o personagem que criam! E estou desde meu último texto, que pretendia que fosse o último, sem conseguir escrever algo decente, pois me pergunto pra que? Não podemos usar máscaras! Não sabemos ser diferente do que somos! Assumimos o que somos!Não sabemos ser outra coisa! Não podemos mais fechar os olhos...
Quão grande é a responsabilidade na utilização das palavras... Falar é ação, que como toda ação causa reação. Ação cria energia. Falar provoca ondas de energia que vão espalhando-se em tudo ao nosso redor, como ondas contínuas... Como pedra lançada no meio de um lago, provocando ondas em círculos... Eu me pergunto se estou realmente exercendo bem o uso da escrita... Não quero ser mais uma pessoa fingindo ser escritor só porque conseguiu uma editora que não quer na verdade contribuir com a cultura quer apenas lucrar publicando qualquer besteira! Não quero ser mais um que utiliza a fantasia literária para fugir de si mesmo! Não quero ser mais um que vomita qualquer frustração disfarçada de sentimento nobre, empobrecendo cada vez mais as pessoas que buscam palavras necessárias para enfrentar mais um dia!
Não são as palavras e seus sentidos... São os sentimentos que elas invocam de dentro do íntimo de quem as pronunciam... É a hipocrisia que ela oculta... E escrever é do mesmo modo... O compromisso com o leitor e o telespectador deveria ser também imenso!
Criou-se certa vez uma lenda sobre uma varinha mágica que operava milagres...No período da Inquisição, quem utilizava essas varinhas precisou trocá-las por colheres de pau que serviam não só para a mesma utilidade como passou a ser usada para avisar discretamente a noite de encontro de quem as utilizava... Na verdade, a varinha nunca teve por si mesma poder algum... Ela sempre foi à extensão da mão que a segurava: o poder estava em quem a manipulava. Quando se caminha em mata fechada, usa-se uma longa vara à frente dos próprios passos, para afugentar algum provável perigo no caminho, imperceptível a primeira vista... Para cumprir um trajeto em longos caminhos, é indispensável o uso de uma vara para servir como apoio... O cego utiliza-se da vara para guiar-se... A vara já foi muito utilizada para correção...
A mão que segura a pena assemelha-se a quem utiliza a vara... O poder não esta na pena, mas na mão que a segura e que permite que a energia do coração inspirado se manifeste.
Quem se guia pela inspiração que a Arte revela jamais será normal, bem visto, nem terá compromisso com absolutamente nada que não seja a própria inspiração que sempre está conectada com a Alma, com o Cosmos, com o Todo! Agradará a alguns, aborrecerá a muitos, pois suas palavras estão coligadas com a Verdade e a Sabedoria, prova disto é que as palavras têm poder não somente em quem as lê, mas também em quem as pronuncia. Quem é convicto de algo, o é sempre: não pretende falar pra agradar, fala o que é preciso, pois usa todas as oportunidades para cumprir sua função.
A Inquisição está de volta, disfarçada de uma falsa Liberdade de Expressão, Religiosidade, falso Moralismo, Política, Publicidade, Consumismo e Mídia. Já não é mais a Censura dos tempos do Militarismo que rege tudo, é uma grande maioria de pessoas mascaradas de mentalmente sãs, decentemente de bem, literariamente formadas e politicamente corretas.
Quão grande é nossa responsabilidade... E quão árdua tarefa! Tentar alcançar as Altas Torres e derrotar o grande Dragão baforando nuvens negras que não permitem que ninguém veja nada!
Você mesmo pode ver... Não me espelho no passado, passou! Algumas palavras do passado têm tanto poder que chegam no Hoje como um eco, e dentro ou fora de nós são eternas e verdadeiras... Essas que são parte do Arquivo Universal, verdades da Consciência Coletiva que as massas renegam, a Sabedoria das Memórias do Tempo. Nada as impedem...
Não me enquadro como sempre, não faço uso da estética e métrica pré-estabelecida, pois eu faço Arte, não advocacia para causas em prol às regras e leis gramaticais e literárias! Não sou ninguém, não quero ser sombra de ninguém! E poderia alguém punir os homens primitivos por deixarem seus desenhos em cavernas e serem esses os princípios de nossa escrita? De nossas telas? De nossa Arte? A Arte é a própria Liberdade de Expressão! A Arte é a mãe da comunicação!
E neste momento me pergunto se cumpro direito meu papel... Se eu estou honrando não a mim mesma, mas a Arte... Se realmente não estou com o 'rabo preso' com nada nem ninguém e me permito usar da Liberdade de minha Expressão, mal interpretada por engomadinhos, tadinhos, coitadinhos, fragilzinhos, fracotizinhos...
Olho pra você e me encho de orgulho! Por já cumprir tão bem o seu papel neste mundo! Por contribuir tanto não somente a esta reles mortal, mas para tantos!
De repente, me lembro que tenho encomendas de cem exemplares que me foram pedidos, de um livro que ainda nem publiquei e nem sei se o farei. Pois eu sei quão grande é nossa responsabilidade... Eu sei quão difícil é para você e para mim ter um livro na mão de alguém...Eu sei que nu viemos para este mundo e nu sairemos daqui... Sei do poder das palavras...
O que será de nós em meio a esse mundo de cegos?
Talvez, eu jamais chegue tão longe quanto você já chegou... Mas saiba que me contento em vê-lo fazendo exatamente o que a Inspiração manda. Quanto a mim... Vou atender seu pedido e continuar a escrever... Se não vier meu livro, tudo bem...
"Palavras são sementes, e o campo mais fértil que elas podem brotar não são as páginas de um livro, mas dentro de cada uma das pessoas que as recebe."
Eu recebo as suas!
São Paulo, 06 de Fevereiro de 2009.
DESEJAR LER A RESPOSTA DE CALIXTO PARA SHIMADA?
ESCRIVANINHA DE OSCAR CALIXTO:
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/1425126