Sobre Comer Carne
Não sei por que as pessoas adoram me fazer perguntas... Se for um teste para saber se tenho pretensiosamente resposta pra tudo, não insista: quando eu não souber direi: 'Não sei!' ...Se for por curiosidade eu não me importo em responder sobre qualquer coisa... Se for por interesse em saber minha opinião sobre tudo, obrigada pela consideração!
Eu atraio conquistadores baratos e perguntas...Não foi à toa que meu auto-rabisco saiu com um ponto de exclamação de um lado e um de interrogação do outro, nessa ordem mesmo: as afirmações me fazem questionar, e as questões me fazem afirmar!
A pergunta que veio foi:
“Amiga, a médica já não te disse que você precisa comer proteína animal? Não acha muito radical não comer carne só por causa do seu amor pelos animais?”.
Poxa vida, amiga minha! Nunca pensei que leria de você tal coisa... Espere... Estou incorporando meu lado dramático...
Se eu comer soja o dia inteiro, além de beneficiar meu organismo conseguirei alcançar a tal porcentagem determinada por um doutor e terei proteína necessária, apesar que, se eu sou um animal, já tenho proteína suficiente.
Como você diz que não como carne 'apenas por amor aos animais'? Eu apenas amo você? Eu comeria você por apenas ser esse montão de carne gostosa? Você acha pouco esse motivo? Amar?
Eu amo meus animais como amo meus filhos e amo você: deveria devorá-los também? Na sua visão deveria, pois ‘apenas’ os amo...
Amiga, você já me viu chegar em alguém e dizer: Não coma carne? Não! Eu não tenho nada contra quem come... Os humanos passaram a comer carne depois de Noé - se não me engano - e isso faz muito tempo, sabe? Estamos todos tão condicionados a comer carne que já é uma necessidade genética e fisiológica! Não condeno nem tento convencer ninguém de não fazê-lo: eu compreendo! Só não consigo compreender porque tem tanta gente a minha volta tentando me convencer que devo comer... Pra mim, basta a vaca compartilhar conosco nosso leitinho de todo dia que é dos filhos dela e a galinha me dar seus ovos que deveriam ser seus futuros filhos! Eu não posso ficar sem carboidratos ou irei morrer, e isso é possível graças ao que esses animais já me dão! Devo ser tão ingrata e não bastasse esse sacrifício delas, ainda matá-las e comê-las?
Eu ainda era criança quando me recusava a comer carne. Naquela época, se criava os animais que iam pra panela, e eu era contra! Eles não eram nossos animais simplesmente, eram meus amigos! Mas mamãe, por causa dessa história de que eu estava crescendo, que tinha que ingerir a tal proteína, me obrigava mesmo que eu devolvesse no prato. Eu compreendo a mania e o vício de comer carne: também já tive que comer, o corpo se acostumou e às vezes pede.
Não sou contra quem come carne, mas o modo como os animais são abatidos para ir pra sua mesa. Os animais são mais sensíveis que nós: eles sabem quando o perigo e a morte se aproximam. O modo como os animais são abatidos é cruel.
A audição do animal é muito mais aguçada que a nossa, e pode ouvir a quilômetros de distância o que nem nós conseguimos. Eles ouvem a agonia da morte de seus irmãos. Eles podem sentir com intensidade...
Você já parou para imaginar quanta substância química é lançada no organismo a cada sensação ou sentimento? Imagine a quantidade de adrenalina que desencadeia diante do medo. Imagine o que mais o animal produz diante de medo, morte e sofrimento. Tudo isso vai para a carne. Deve ser por isso que colocaram na cabeça das pessoas que animais não tem sentimentos: sem sentimentos = sem química orgânica.
E eu com essa mania de comprovar em mim mesma o que digo, fiz uma experiência: comi carne por um mês e observei meu comportamento. Irritação à flor da pele, nervosismo, stress, cansaço, dificuldade para dormir, intestino desequilibrado e a alergia acabando comigo. Sim, a Natureza foi tão generosa comigo que facilitou minha vida: é fácil eu rejeitar a carne quando meu próprio organismo recusa!
Depois passei um mês sem comer carne, vivendo dos meus tão necessários carboidratos, frutas, verduras e legumes: tranqüilidade, calma, alta capacidade de compreensão, sensação de leveza, bom funcionamento dos aparelhos digestivos, sono tranqüilo, equilíbrio emocional, maior concentração e raciocínio e muita disposição.
Conclui que a carne vem contaminada por mais saudável e bem tratada do que parece ser. O que impregna a carne, o fogo não mata minha amiga: Energia gera mais energia!
Minha médica que me perdoe: não vou devorar nenhum animal! E graças a Deus a tarefa de preparar o peru na ceia de Natal deixou de ser minha função: alguém já respeita minha opinião! Ou deve ser minha resmungação à mesa quando vejo o cadáver bem no centro da entre tantas coisas gostosas, e pergunto se estão todos prontos para o início do velório: o corpo morto do peru todo enfeitado no meio da mesa parece o velório dele, tem até vela...
Papai tinha péssimo hábito de comprar no início de ano um leitão que engordava para abater no fim de ano e dividir com os vizinhos. Eu achava aquilo monstruoso! Pois durante um ano inteiro eu criava um laço de amizade com o porco que ganhava nome, que eu dava ração na boca, que escovava os dentes e dava banho.
Certa vez chegou o dia de sacrificá-lo e os amigos de papai se apresentaram para ajudar. O modo como ele fazia era cruel: uma facada no coração. Eu e minha irmã ainda tão pequena, não podíamos ver esta cena.Mas na última vez que isso foi feito eu não agüentei: fugi de minha mãe e fui tentar salvar o porco. A cena era horrível: o pobre sangrando e gemendo, não queria morrer! Papai gritou: tire essa menina daqui!
Eu gritava de um lado, e o porco passou a gritar do outro. Ele não morria e papai teve que fazer pior: desceu as costas de um machado no meio de sua cabeça. Ele gritou e eu fazia mais escândalo. Papai gritou novamente: leve essa menina pra fora de casa! Tire ela daqui ou ele não vai morrer!
Depois disso, papai nunca mais comprou um leitão para engordar. Quando passou uns anos, perguntei a ele por que o pobre não morria... Papai disse que eles sentem como nós, e percebendo que eu não queria que ele morresse, ele tentou reagir e vencer a morte.
Então, vamos combinar o seguinte: eu nunca irei falar pra você parar de mastigar e sugar o suco de uma carninha suculenta de um pobre animal de olhar desesperado com o momento de seu assassinato, e você nunca me dirá que devo comer carne, tá certo?
São Paulo, 30 de Janeiro de 2009.